novembro 12, 2008

o mundo só se dá para os simples




Uma Ira - Clarice Lispector


(trecho final)




Eu pensava que a força é o material de que o mundo é feito, e era com o mesmo material que eu iria a ele. E depois foi quando o amor pelo mundo me tomou: e isso já não era a fome pequena, era a fome ampliada. Era a grande alegria de viver - e eu pensava que esta, sim, é livre. Mas como foi que transformei, sem nem sentir, a alegria de viver na grande luxúria de estar vivo? No entanto, no começo era apenas bom e não era pecado. Era um amor pelo mundo quando o céu e a terra são de madrugada, e os olhos ainda sabem ser tenros. Mas eis que minha natureza de repente me assassinava, e já não era uma doçura de amor pelo mundo, era uma avidez de luxúria pelo mundo. E o mundo de novo se retraiu, e a isso chamei de traição. A luxúria de estar vivo me espantava na minha insônia, sem eu entender que a noite do mundo e a noite do viver são tão doces que até se dorme, que até se dorme, meu Deus. E a água, na minha luxúria de viver, a água se derramava pelos dedos antes de chegar à boca. E eu amava o outro ser com a luxúria de quem quer salvar e ser salvo pela alegria. Eu não sabia que só o meio-termo não é pecado mortal, eu tinha vergonha do meio-termo. Os pecados são mortais não porque Deus mata, mas porque eu morro deles. Eu é que não pude arcar com os pecados mortais. O que não consegui com eles, é isso que hoje me violenta e a que respondo com violência. Os meus pobres meios canhestros não me conseguiram nem terra nem céu, e a fúria me toma. Ah, mas se por um instante eu entender que a fúria é contra os meus erros e não contra os dos outros, então esta cólera se transformará nas minhas mãos em flores, em flores, em coisas leves, em amor. Eu ainda não sei controlar meu ódio mas já sei que meu ódio é um amor irrealizado, meu ódio é uma vida ainda nunca vivida. Pois vivi tudo - menos a vida. E é isso o que não perdôo em mim, e como não suporto não me perdoar, então não perdôo aos outros. A este ponto cheguei: como não consegui a vida, quero matá-la. A minha cólera - que é ela senão reivindicação? - a minha cólera, eu sei, eu tenho que saber neste minuto raro de escolha, a minha cólera é o reverso de meu amor; se eu quiser escolher finalmente me entregar sem orgulho à doçura do mundo, então chamarei minha ira de amor. Tanto temi jurar-me para sempre com essa primeira palavra que mal ouso pronunciar (amor), que fugi para a violência e para os olhos ensangüentados da paixão. Tudo, tudo por medo de me prostrar aos Teus pés e aos pés anônimos do "outro" que sempre Te representou. Que rei sou eu, que não se curva? Tenho que escolher entre a quebra do orgulho e o amor correnteza da ignorância e da doçura. A minha verdade antiga ainda me serve? Deus proibiu os sete pecados não por exigência de perfeição, mas apenas por piedade de nós, de mim que, como os outros, também tento não ser Dele e tento não ser dos outros, e eu sei que os outros são Ele. Neste instante tenho que escolher entre amar ou ter ódio. Sei que amar é mais lento, e a urgência me consome. Cobre minha fúria com o Teu amor, já que também eu sei que a minha ira é apenas não amar, minha ira é arcar com a intolerável responsabilidade de não ser uma erva. Sou uma erva que se sente onipotente e se assusta. Tira de mim a falsa onipotência destruidora, não deixa que a ferida que abriram em mim signifique ferida aberta por Ti, faz com que neste instante de escolha eu entenda que aquele que fere está no mesmo pecado que eu: no orgulho que leva à ira, e portanto ele fere assim como estou querendo ferir só porque não acredita, só porque não confia, só porque se sente um rei espoliado; ajuda aos que sofrem de ira porque eles estão apenas precisando se entregar a Ti. Mas como Tua grandeza me é incompreensível, faz com que Tu te apresentes a mim sob uma forma que eu entenda: sob a forma do pai, da mãe, do amigo, do irmão, da amante, do filho. Ira, transforma-te em mim em perdão, já que és o sofrimento de não amar."



in "Para não esquecer" - 5ª ed. - Siciliano - São Paulo, 1992



PAUTAS PARA UMA HERMENÊUTICA FEMINISTA DE LIBERTAÇÃO

Ribla 25 - 1995





Como terra que precisa ser arada, assim é a Bíblia para as mulheres. Bíblia, terra difícil, com partes endurecidas, às vezes, pantanosa...mas com inumeráveis lugares férteis que podem ser trabalhados. Descobrir a fecundidade libertadora do texto bíblico é a tarefa de mulheres e homens que acreditam ser possível recriar as relações sociais de gênero. Há que se trabalhar a Bíblia como se trabalha a terra: com afinco, determinação, sabedoria e prazer.
A leitura feminista da Bíblia é complexa. Nós, as mulheres, nos enfrentamos com um texto muito antigo, que reflete culturas, costumes, épocas, relações, línguas e gramáticas diferentes. Nos enfrentamos, além de tudo, com textos patriarcais e leituras patriarcais - androcêntricas - que vêm se acumulando por séculos. Por isto, a hermenêutica que assume as relações sociais de gênero como lugar privilegiado da leitura, deve ser atrevida, ir além dos cânones tradicionais da ciência exegética. A hermenêutica da suspeita precisa funcionarem todas as áreas: textos, interpretações, tradições, traduções e métodos exegéticos.
As teorias de gênero são uma ferramenta de análise que permite deconstruir o texto, trazendo à luz as relações que aparecem estruturadas no discurso, o qual permitiria a construção de um novo texto que busca ser libertador, também nas relações de gênero. Cremos que este é um dos desejos da divindade criadora de homem e mulher, à sua imagem e semelhança.


1- O corpo como categoria hermenêutica

Por muitos séculos a importância do corpo, do material, foi relegado. Importava a “alma” das pessoas ou, num outro processo de generalização, a pessoa na estrutura sócio-política, nos processos econômicos. Mas, constatamos na história, que o corpo tem sido o espaço maior de opressão e apropriação da mulher - assim como também de outros grupos dominados (indígenas, negros): violação, agressão, negação, abuso, manipulação, idealização. Por isso mesmo, o corpo não pode ser um detalhe numa leitura que se pergunta pelas relações de gênero. A vida ou a morte se manifestam através dos corpos. Recuperar os corpos concretos é parte fundamental da afirmação da vida concretas e sensual.
O texto também é um corpo que se mostra e se esconde de seus leitores/as. Aqueles e aquelas que lêem também são corpos viventes que entram em diálogo e luta com outro corpo: o texto. Ambos mostram seus próprios tecidos: corpos individuais e sociais, femininos e masculinos. No processo hermenêutico desde uma perspectiva corporal, às vezes os corpos se encontram e celebram como quando se recolhe com alegria a boa colheita da terra. As vezes se detestam mutuamente, por decepção pela ausência de frutos ou a imposição de um fruto amargo, que não serve para nada. E, as vezes, um corpo fica de braços estendidos, esperando ser correspondido pelo outro corpo...e nada.
Entender o texto como corpo, fruto de relações sociais de gênero; entender o processo de interpretação também a partir das relações concretas dos corpos traz novas luzes para a compreensão do discurso. O corpo como critério hermenêutico oferece alternativas de leituras que querem ser convites para um diálogo e vivência de novas relações entre mulheres e homens - na teologia, nas igrejas, em casa, na cama, na vida.
Ler a paixão e ressurreição de Jesus desde os corpos esquartejados da América Latina, exige que se volte os olhos para os corpos violentados de mulheres e homens, meninos e meninas e a urgência da ressurreição de seus corpos agora. A recriação do corpo como lugar de revelação do sagrado significa assumir e afirmar a dinâmica libertadora do gozo, do prazer sem vergonha, sem os limites da vergonha, dos estereótipos e censuras opressivas.


2- Os sujeitos e suas histórias cotidianas no processo hermenêutico

Também como nos aproximamos da Bíblia como terra a ser trabalhada, é preciso buscar uma reaproximação de nossas vidas cotidianas: há partes férteis, outras cheias de pedras; desertos e pântanos...mas também, muita fecundidade.
Uma hermenêutica feminista de libertação, que articula as relações sociais de gênero, em sua aproximação do texto, descobre as pessoas em suas realidades, com sua subjetividade, história, cultura, particularidades. Toda a vivência cotidiana lê, interroga e interpreta os textos.
Não somos leitoras/es imparciais; somo pessoas com corpos, cor, sexo, idade; corpo que trabalha, que sofre e que goza, um corpo do qual gostamos ou não, um corpo em que os outros encontram prazer ou não.
Nos aproximamos do texto com nossas vidas que, na maioria das vezes, são tão comuns, tão banais, sem grandiosidades que merecessem ser contadas: os trabalhos domésticos, o cuidado dos filhos e filhas, as preocupações com comida, saúde e sobrevivência; o cansaço, a rotina; a sexualidade passivamente aceita; os sonhos de uma vida mais plena: de amor e paixão; a alegria com o nascimento dos filhos e filhas; sexo vivido com prazer. Uma vitória sobre a luta, um trabalho digno, uma amizade solidária.
São vidas e histórias que nunca serão História, mas são as que constróem e sustentam o tecido social, suas mudanças e resistências. Mesmo quando são objeto dos sistemas e estruturas de poder e governo, podem ser lugar de obstinada e criativa resistência e esperança, sobrevivendo a todos os massacres.
Queremos nos aproximar dos textos trazendo toda a diversidade e riqueza de nossas histórias cotidianas, com esta aparente ausência de cientificidade e assumida parcialidade. O cotidiano é também dinâmica estruturadora dos textos, seu tecido mais profundo e escondido que ainda não foi tocado pelas leituras super-estruturais, super-objetivas e super-sociológicas.
Assim como a vida, os textos também apresentam e são produtos de relações cotidianas cortadas por mecanismos de dominação: de um sexo sobre o outro, de uma classe sobre a outra, de uma etnia sobre a outra, de uma geração sobre a outra. É impossível tentar reduzir estas relações numa categoria ou tentar hierarquizá-las. É preciso trabalhar com esta pluralidade de dimensões e sistemas que aparecem nos textos e em nossas vidas. Se descobre assim o visível e o invisível, se evidenciam as múltiplas crises e diferenças que assumem rosto, voz, corpo...isto é o que constrói e condiciona a história/as histórias, assim como nossa leitura e hermenêutica.


3- Hermenêutica da deconstrução e reconstrução

Como descobrir a fecundidade da terra? Quando ela permite que a vida germine e cresça. Para isso será preciso arrancar da terra o que atrapalha sua fecundidade, aquilo que rompe seu equilíbrio ou seja um obstáculo à sua fertilidade. Então será possível voltar a semear e trabalhar pata receber o fruto da vida.
Nos aproximamos da Bíblia como terra para trabalhar com instrumentos que nos ajudem a receber frutos de vida. Além dos métodos exegéticos com seus limites e possibilidades, as teorias de gênero vêm se mostrando fundamentais para que possamos conhecer a terra em que trabalhamos, suas fertilidades e esterilidades.
As teorias de gênero desnaturalizam os papéis, as identidades, funções e relações que determinada sociedade atribui a homens e mulheres, entendendo que estas atribuições são constructo social que podem ser deconstruídas e recosntruídas sobre outras bases e critérios. Uma hermenêutica feminista trabalhando com gênero faz perguntas como: como se dão no texto as relações entre os gêneros? quais as relações “invisíveis”? como são construídas as identidades de mulheres e homens? que atributos recebem? que estereótipos estão presentes? quais as condições concretas de vida?
Há que se trabalhar em diversos níveis tratando de perceber as motivações e tentativas de normatização que perpassam os textos: o que é narrado expressa uma leitura e compreensão do que é vivido por quem narra; não há que se assumir o que aparece no texto como a realidade de vida das mulheres. Muitas vezes os textos projetam mulheres ideais ou mulheres malditas como realidades opostas e fixas. Texto que são aparentemente favoráveis às mulheres, podem ser sustentados por estereótipos de identidade (mulher sedutora, mãe sacrificial, etc).
Este é o processo de deconstrução. Partimos do pressuposto de que o texto está genericamente construído, isto é, é refém de interesses e relações assimétricas que subordinam as mulheres e, por isso mesmo, precisa ser deconstruído.
É preciso que esta abordagem considere as relações de poder e as estruturas sociais e literária de modo dinâmico para que não se caia numa perspectiva vitimizadora das mulheres. O desafio é o de entender e analisar as circulações de poder numa determinada estrutura social ou literária: o poder não é uma instância absoluta e estática, mas é um conjunto de forças que se move entre/contra/sobre/com os diversos sujeitos sociais. As mulheres também exercem poder, muitas vezes de resistência e sobrevivência, mas nunca são somente vítimas de seus homens e estruturas. podem também ser co-participantes de sua própria subordinação.
A análise da relações sociais de gênero pergunta por esta circulação do poder, entendo aqui a confluência não só das relações de sexo, mas também étnicas, de classe, culturais, geracionais que atravessam as diferentes parcelas da humanidade em toda suas complexidade.
Alguns textos vão se mostrar estéreis para as mulheres, textos em que não haverá possibilidade de germinação. Deconstrói-se o texto, abrindo e limpando a terra, e se descobre os materiais presentes ali por anos mas que, analisados revelam ser causadores de esterilidade para a terra. Precisam ser arrancados. A partir daí a terra precisa receber outros insumos, precisa ser mexida e revolvida, restaurando seu equilíbrio e, quem sabe, sua capacidade de germinação de frutos de vida. Escavando e aprofundando vão surgindo histórias de mulheres, corpos mutilados que estavam escondidos e enterrados por séculos.
Neste processo de deconstrução se recorre a outros elementos hermenêuticos como a intertextualidade (mais dados entre outros textos), intratextualidade (textos dentro do texto) e extratextualidade (documentos extra-canônicos, como por exemplo, os evangelhos gnósticos),
Neste trabalho de agricultoras/es não basta somente limpar e conhecer o texto...é preciso continuar o trabalho perguntando pela possibilidade de germinação. Se inicia assim o processo de reconstrução que seria, antes de tudo, a reformulação dos paradigmas de interpretação, mais ainda, a novidade de paradigmas que permitam outras resoluções da mensagem ou mensagens do texto.
O fato de reconstruir outros texto que por anos vem sendo tomado como lei ou usado para distorcer ou limitar a liberdade das mulheres em sua participação na história coloca a hermenêutica feminista de libertação em uma situação desafiadora diante dos esquemas tradicionais da teologia e da estrutura das igrejas. Neste sentido, uma hermenêutica feminista é a reconstrução da história e participação das mulheres que já não aceitam conviver como minorias mas que se assumem como donas de seu pedaço de terra: seu corpo, sua mente, suas decisão, sua dignidade.
As mulheres e homens que lêem os textos desde suas experiências cotidianas, suas histórias particulares e comunitárias, desde o cruzamento de relações e caminhos, assumem o compromisso da deconstrução e da reconstrução de sentido do texto de tal modo que possa ser lugar de humanização, de integração entre as pessoas. Isto não significa eliminar as ambigüidades ou homogeneizar estilos e recursos dos textos...reconstruir o texto é torná-lo libertador, procurando manter alternativas de interpretação que inviabilizem qualquer tentativa de controle do texto e sua mensagem.

4- Uma hermenêutica que questiona o conceito de autoridade bíblica

Na Bíblia como na terra há revelação de Deus...mas nem a Bíblia nem a terra são Deus. A divindade é um mistério inescrutável. Nossas aproximações do sagrado são aproximações humanas, mediatizadas pela cultura e por nossa história cotidiana. Ninguém pode definir o mistério e declarar sua verdade absoluta. O texto tem a palavra de Deus mas não é a palavra de Deus porque a palavra de Deus é mais do que o texto escrito.
Para as mulheres é fundamental reconhecer que na Bíblia há textos que não são normativos mas meramente circunstanciais. Um texto patriarcal que justifica a discriminação da mulher não pode ser normativo porque é contrário ao espírito libertador do evangelho. Também os aspectos da tradição cultural e social opressores daqueles que interpretam o texto não podem ser projetados como ponto normativo do texto.

A revelação é boa nova e por ser concreta é dinâmica e mutante. Não se limita ao texto mas ao encontro possível da palavra de Deus no texto com a palavra de Deus presente na vida cotidiana de comunidades, mulheres e homens, meninos e meninas...presente na vida de povos distintos com suas culturas e tradições religiosas. Daí a importância de discernir na revelação quais são os elementos particulares do contexto do texto e quais elementos a comunidade que lê considera válidos para seu contexto.
A revelação então se expressa na recriação do texto, produto do encontro libertador entre os corpos dos textos e os corpos de suas leitoras e leitores.
A hermenêutica feminista da libertação não é descobrimento ou exclusividade nossa mas é fruto do diálogo com movimentos feministas e de libertação no continente latino-americano e em outros continentes. O que se deseja é que a terra da Bíblia se converta num Abya Yala para todos e todas, terra enriquecida e fecunda: o humus, terra fértil da palavra libertadora. Terra que já não é lugar de esterilidade e morte mas onde se colhem os novos frutos de fé e espiritualidade.


Ouvimos o que foi dito...MAS NÓS MULHERES DIZEMOS!

Este texto é fruto coletivo do Primeiro Encontro Latino Americano de Mulheres Biblistas, que aconteceu em Bogotá, Colômbia, em fevereiro de 1995. Muitas mulheres contribuiram para a organização dessas Pautas Hermenêuticas: Elsa Tamez, Mercedes Brancher, Ana Maria Rizzante Gallazzi, Nancy Cardoso Pereira,Rebeca Montemayor, Irene Foulkes, alícia Winters, Luz Jimenez, Débora garcia, Violeta Rocha, Josefina Caviedes, Maribel Pertuz, Verônica Rozzotto. Este número de RIBLA reúne a contribuição de algumas de nós e de outras biblistas latino-americanas.
Estamos a caminho. Estamos aprendendo a ler a Bíblia assim...sendo fiéis a nós mesmas, às nossas lutas e movimentos de libertação, em especial de mulheres de nossas igrejas e países. Ainda temos que lutar com as teorias e procedimentos, autoridades e limites. Os textos aqui reunidos expressam nossos esforços pessoais e coletivos e querem ser parte do diálogo da caminhada bíblica latino-americana.

cavalgam-se três qualidades de azul





ELEGÂNCIA
COM DECADÊNCIA




demônios necessários e exorcismos funcionais


Fui pastora metodista na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro. Recém saída da Faculdade de Teologia, assumia duas comunidades na periferia de Duque de Caxias. Entusiasmada e apaixonada...ainda respirava os ares da Teologia da Libertação que marcou minha formação teológica e espiritualidade. Ecumênica. Militante...e pastora. Lá fui eu descobrir que a religião do povo era muito mais. Comunidades pobres de mulheres pobres e muitas crianças e alguns homens. A convivência foi mostrando os limites da minha formação; limites de compreensão e intervenção. Não me haviam dito que por debaixo do verniz histórico de um metodismo pouco inculturado habitavam fortíssimos elementos de uma religião mágica, voraz, dramática, aparentemente sem contornos, dificilmente catalogável. Cheia de demônios: vizinhos e próximos. Plena de exorcismos dominicais. Influência do pentecostalismo, influência pelo avesso dos terreiros, influência do catolicismo popular disfarçado.
Foi um aprendizado difícil. O culto mais importante era o de domingo à noite: eu me revezava nas duas comunidades (uma urbana e a outra rural). De imediato me dei conta que, na comunidade urbana, quando eu não estava presente, o demônio se manifestava e aconteciam exorcismos e que tais. O povo dizia: “Pastora, foi uma benção! A fulana estava amarrada, mas o pregador percebeu e desafiou o inimigo e ele se manifestou e foi expulso em o Nome de Jesus. Pena que a senhora não estava...”
Acontecia domingo após domingo. Nunca na minha presença. Conversando fui descobrindo que as endemoniadas eram sempre mulheres que tinham pouco tempo na comunidade. Quase sempre as mesmas, dominicalmente possuídas e fui tomada de indignação pelo fato estar se tornando uma parte necessária do culto. Tinha gente que só vinha ao culto de domingo à noite quando eu não estava...eram cultos de poder, diziam, enquanto eu só fazia estudo bíblico e orações e cantos. Era pouco.
Um domingo, sem avisar, apareci na comunidade urbana quando o culto já estava para acontecer e...me convidaram para a oração de preparação do culto que acontecia numa salinha nos fundos do templo. Chegando lá, o leigo responsável pelo culto gritava e clamava o nome de Jesus. Os olhos fechados, os punhos cerrados, enquanto umas 5 mulheres gemiam e gritavam segurando uma mulher caída no chão. O nome dela era Sara, de família pobre, há alguns meses participava da comunidade com seus dois filhos pequenos. Havia passado por muitas igrejas e religiões. Era uma mulher frágil e pequena. Naquele momento ela parecia forte e enorme. O leigo pressionava uma Bíblia na testa de Sara e ela grunhia. A cena me era familiar. Tinha todos os elementos de uma possessão descrita nos livros e manuais. Não fiz nada. Tentei entender o que acontecia enquanto pensava em como deveria ser minha intervenção. Os minutos passavam e ele inquiria a mulher que respondia numa voz rouca e debochada. As mulheres gemiam. Pareciam felizes e excitadas. Foi quando me dei conta que as duas crianças de Sara estavam na sala, sentadas num canto...assistindo. Me irritei e, mesmo sem saber como, resolvi intervir.
Disse para as pessoas que já estava na hora de começar o culto e que a comunidade estava esperando e que era preciso encerrar com aquilo. Pedia que uma das mulheres soltasse Sara e tirasse as crianças dali. Assumi seu lugar. Me abaixei e coloquei a cabeça de Sara nos meus joelhos e comecei a conversar com ela...”Sara, sou eu...a Nancy. Você está bem?” Ela respondeu: “Eu não sou a Sara. Ha!Ha!Ha!” Instintivamente eu respondi tentando fazer parte do drama que se desenrolava mas tentando trazer o grupo para fora: “Não! eu quero falar com a Sara. Sara fala comigo...me escuta. Quero conversar com você. Suas crianças estão lá fora. Vou levar vocês para casa. Eu e você Sara, você me escuta?” De verdade eu me sentia pouco à vontade, como se pedisse permissão ao demônio para falar com Sara. As mulheres e o leigo me advertiram: Não! pastora...não fale com carinho. Não é a Sara. Tem que ser no sangue de Jesus que tem poder.” Respondi: “Esta aqui é a Sara nossa irmã...e nós queremos cuidar dela.”.
A mulher deu um pulo e abriu os olhos, assustada. No pulo, me deu um safanão jogando longe meu óculos. Foi um tapa e tanto. Sara começou a chorar convulsivamente. O leigo gritava que o demônio foi embora mas não foi vencido! As mulheres gemiam e oravam.
Mandei (isso mesmo...sei lá como me enchi de autoridade mas, na verdade eu estava assustada e trêmula) que o leigo entrasse e começasse o culto. Eu ficaria com Sara e oraria com ela e sues filhos e depois a levaria até sua casa. Quando eles sairam o choro de Sara era de seu tamanho: pequeno. Trouxeram as crianças e nós conversamsos. Ela me disse que acontecia sempre com ela quando vinha à igreja e que o senhor leigo sempre sabia fazer manifestar o demônio que a habitava. Ela estava cansada. Achava que era porque tinha andado na macumba e com os espíritas.
Repeti minha conversa: que ela era filha de Deus e que tudo estava bem e que nós íamos cuidar dela. Oramos e fui levá-las em casa. Orei lá também. Pedi proteção para casa e para todos. Marcamos de nos encontrar mais cedo na quarta-feira antes do estudo bíblico. Ela disse que precisa de uma Bíblia. Precisava aprender mais para que o demônio não tivesse poder sobre ela. Me despedi e fui pela rua de barro e buracos me sentindo vazia. Havia apanhado do demônio em sua fuga e me sentia péssima.
Voltei para a igreja e assisti o culto até o final. Tudo transcorreu normalmente. O leigo pregou sobre o poder de Deus e sua luta contra os poderes do mal...em alguns momentos parecia que ele me recriminava e publicamente me admoestava por minha incredulidade.
Não passou muito tempo Sara acabou virando membro de uma igreja pentecostal no bairro. Os metodistas indiretamente me acusaram de não ter deixado Deus agir na vida dela...por isso nossa igreja era fraca e fria, enquanto as outras igrejas estavam cheias e poderosas.
Me encontrei com Sara e ela me tratou com carinho. Disse que estava feliz na outra igreja, que o pastor lá tinha realmente tirado o demônio dela e que nunca mais tinha acontecido. Terminou me consolando, dizendo que não importa em qual igreja a gente fica né, irmã? o importante é estar com Jesus.
Não fiquei muito tempo com esta comunidade. Um ano e dois meses e foi tudo.

As igrejas tradicionais têm uma visão elegante do sagrado. Violência e desordem pertubam o sagrado. O campo religioso entendido como lugar sublime de certo modo moraliza a experiência religiosa. Esta compreensão precisa de um Deus também elegante, centrado, sem arroubos e paixões...uma divindade distante da realidade deselegante, desordenada e violenta. Um Deus que pode ser aproximado da probeza vitimizadora e sofrida...uma divindade que acolhe militantes esclarecidos e organizados...mas distante das ambíguidades e contradições que cortam a vida, em especial dos pobres.
Sendo o cristianismo em suas vertentes históricas, detentor da hegemonia aparente do campo religioso, esta visão elegante e limitada do sagrado e da divindade acaba atribuindo às religiões e segmentos do cristianismo não hegemônico a produção simbólica e ritual da violência, da desordem, da ambiguidade. O demônio sempre são os outros.
José Jorge de Carvalho em seu texto Violência e caos na experiência religiosa[1] esquematiza um mecanismo de exclusão: os cristianismo tradicional suporta certo grau de violência mas qualquer excesso deve ser evitado e negado, transferindo para outras religiões o trato com a violência e a desordem; o kardecismo tenta colocar-se ao lado do cristianismo, atribuindo aos culto afro-brasileiros o que não quer assumir internamente; a umbanda branca faz o mesmo, tenta aliar-se ao espiritismo e por aí chegar até o cristianismo, atribuindo ao candomblé e seus similares o que estes atribuem à jurema e a macumba que - longe das fronteiras oficias do sagrado - assumem a violência e desordem como parte de sua identidade.
De certo modo a Igreja Universal do Reino - e outros grupos - preenchem esta lacuna dentro do cristianismo, assumindo a performance do que se chama de três pilares clásicos das religiões em sua origem[2] o interdito, o rito e o mito. “O rito sacrificial, ao mesmo tempo que faz descarregar a violência sobre a vítima, propiciando uma catarse purificadora, também alimenta a coesão grupal...violência, unanimidade e desfecho catártico, mediante o sacrifício”. O exorcismo, segundo Girard pode ser um equivalente do sacrifício.
A meu ver a questão está em que a violência e a desordem no âmbito da IURD se limitam ao campo de uma batalha espiritual, uma violência que precisa ser alimentada e engordada em termos de representação, mas continua sendo uma rejeição de elementos grotescos ou deselegantes, para a consideração do sagrado. O ritual de exorcismo não rompe com a própria noção de representatividade, que pressupõe uma passagem estável e segura do símbolo ao significado. O sagrado fica intacto e a violência se ritualiza e se instituicionaliza. A violência e o caos funcionalizados distanciam-se do sagrado ficando como mera representação do nível pouco emancipado ou da miséria dos participantes de tais rituais. O exorcismo como reflexo da violência real distancia-se do religioso.
“Em vez de pensarmos a religião em termos de um conjunto de símbolos, como reza a já célebre definição culturalista...a experiência religiosa é também (e principalmente) um lugar onde os símbolos são dessignificados, desnudados de seus compromissos semânticos estáveis...um lugar de exercício de crítica radical, de um ceticismo fundamental com relação à ordem, onde tanto as utopias dominantes como as utopias alternativas ou contra-utopias (mitos de interesse e mitos de liberdade) são igualmente deixados de lado” [3]
Se por um lado a IURD se apresenta como um espaço de expressão simbólica menos moralizante em relação ao sentimento de desencantamento do mundo das tradições religiosas históricas, em especial as igrejas cristãs históricas, por outro lado, para livrar a divindade de contradições e impotência diante da realidade de violência e desordem, recauchuta e remenda dualismos e batalhas espirituais mantenedoras do simulacro de exclusão e vitimização.
Prefiro pensar com João Guimarães Rosa em seu conto São Marcos. Não acredita em fetiçaria. Desdenha do João Mangolô apresentado como liturgista ilegal e orixá-pai de todo os metapsíquicos por-perto, da serra e da grota, e mestre em artes de despacho, atraso, telequinese, vidro moído, vuduísmo, amarramento e desamarração. (Sagarana, p. 225). Sai o narrador para um passeio e passa como de costume para enjerizar o Mangolô. O passeio é marcado pelas belezas dos olhos que convencem as palavras que as tenta imitar. No céu e na terra a manhã era espaçosa: alto azul, gláceo, emborcado; só na barra do sul do horizonte estacionavam cúmulos, esfiapando sorvete de coco; e a leste subia o sol, crescido, oferecido - um massa-mel amarelo, com favos brilhantes no meio a mexer”. p. 227
Os olhos se excitam com as cores e formas, os detalhes de formigas e penas, tufos, irerês, andorinhas, muito mel, bojuí, jati, urussú...borboletas de páginas ilustradas...paz. Até que de repente: uma pancada preta, vertiginosa...um ponto, um grão, um besouro, um anú, um urubu, um golpe de noite ...E escureceu tudo. (p.247). O narrador está cego. Estarrecido, se desespera: Era a treva pesnado e comprimindo, absoluta.
No meio da experiência da beleza que é extasiante e inesgotável...o homem conhece o limite e o reverso, descobre o caos e...os sons! Com os olhos negados de luz, o homem começa a ouvir: debulha de trilos dos pássaros, o patativo cantando clássico na borda da mata...pombas guaiando soluços e aqui ao lado um araçari que não musica...E aí vem a voz. A sensação primeiro: Chamado de ameaça, vaga na forma, mas séria: perigo premente. Capto-o. Sinto- direto, pessoal...o coração ribomba. Quero correr. Não adianta. Quem será? é meu amigo, o poeta. Os bambús. os reis, os velhos reis assírio-caldaicos, belos barbaças como reis de baralhos, que gostavam da vazar os olhos de milhares de vencidos cativos? São meros mansos fantasmas, agora, são meus. Mas, então qual será a realidade perigosa, no sul? Não, não é perigosa. É amiga. Outro chamado. Uma ordem, Enérgica e aliada, profunda, aconselhando resistência...
Começa a andar e a se mover. Tenta voltar para casa. Tenta reconhecer o caminho...perdida a visão que garantia a posse do lugar, o homem tenta escutar o caminho e vai se esbarrando nos barulhos que não sabia familiares: Tão claro e inteiro me falava o mundo, que por um momento, pensei em poder sair dali, orientando-me pela escuta...Não devo! Não posso ficar parado! Tenho já, já de correr, de me atirar pelo mato,, seja como for.
No caminho, quando lhe falta o ouvido, o nariz se apresenta como referência do caminho. Reconhece os cheiros de árvores e ervas, o que antes não lhe vinha pelo olhar, e que a experiência da cor ofuscava, agora vai fazendo o caminho por seus perfumes, odores agradáveis e insuportáveis que vão tornando o caminho palpável. “Outra árvore que não me vê, ai!É a colher-de-vaqueiro: este aroma, estes ramos densos, esta casca enverrugada de resinas -sei, como se estivesse vendovista a sua profusão de flores rosada. Vamos cheiro de musgo. Cheiro de húmus. Tateia e cheira. Não sabe se saiu do lugar.
Um cheiro ruim. A voz. Então o homem descobre que a cegueira e a perdição é coisa do João Mangolô que fez das suas rezas para acertar com tanto achincalhe de sua parte. Nessa hora, o homem num movimento brusco despenca a bramir a reza-brava de São Marcos. Repetia as palavras e as blasfêmias...sobe uma vontade louca de derrubar, de esmagar, destruir..E então foi só doideira e zoeira, unidas a pavor crescente. E corri. Se aproxima da casa do Mangolô e grita apanha diabo! se arremesando contra o negro com violência. O Mangolô pede pelo amor de Deus! não me mata!. E os dois rolam no chão...e tudo clareia. Luz, luz tão forte... O Mangolô explica que amarrou uma venda nos olhos num boneco pra que o outro ficasse um tempo sem enxergar e sem ofender.
O narrador conclui: “Havia muita ruindade mansa no pajé espancado e a minha raiva passara tão glorioso eu estava...” acaba se conciliando com a Mangolô e ainda lhe dá uma nota de dez mil-réis.
Fizera a experiência de não ver...e agora a luz. Se sentia glorioso...como se visse pela primeira vez: recobrara a vista. E como era bom ver! Na baixada mato e campo concolores. No alto da colina, onde a luz andava à roda, debaixo do angelim verde, de vagens verdes, um boi branco, de cauda branca. E, ao longe nas prateleiras dos morros cavalgam-se três qualidades de azul “. (p. 255)

Do mesmo modo Jó, termina nua luta com o sagrado dizendo...eu te conhecia só de ouvir falar...agora meus olhos te vêm”.


"The Fall of Icarus"
Marc Chagall


[1] in: CARLOS EUGÊNIO MARCONDES DE MOURA (org.), As senhoras do pássaro da noite, EDUSP, São Paulo, 1994. pp. 87-120
[2] OLIVA, Margarida, O diabo no Reino de Deus: por que proliferam as seitas, Musa, SP, 1997, p. 130
[3] ibid., p. 116

entre o erótico e a barbárie



espiritualidade feminista
para os tempos de mercado[1]







As coisas: enfileiradas em ordem de prateleiras. Categorias e gêneros. Substâncias e suas mesuras. Invólucros. Qualidades em quantidades: valor. Cabides dependurados entre valor de troca e valor de uso. Você tem fome de quê? – pergunta o mercado como se conhecesse minha língua materna... indecifrável até pra mim. Empurro o carrinho que me identifica na feira do consumo e me aflijo entre as formas oferecidas de necessidade e desejo.
É que na lógica do mercado as relações de troca assumem o dinheiro como linguagem de valor sem precisar mais repousar sobre a linguagem da necessidade. Uma abstração se concretiza! Ninguém vê, mas todo mundo experimenta: o milagre da transubstanciação:

“O valor de troca atado ao corpo da mercadoria anseia ser redimido sob a forma do dinheiro [2].”

O milagre acontece quando a pessoa se realiza como consumidor. No ato do consumo mercadoria e dinheiro se beijam e o lucro promete congregar toda sociedade, um dia, no mercado pleno. Ou não: interessa que o lucro e o valor se reproduzam e se realizem.
É ao mesmo tempo uma operação complexa e simples, sensual demais e totalmente metafísica. Trata-se de realidades, coisas, substâncias, objetos, istos e aquilos que, tocados pela linguagem do valor, se transformam na subjetivação das necessidades. As realidades materiais e concretas são despossuídas de sua cotidianeidade de valor de uso, para assumirem a metafísica do valor de troca.

“Ansiosa pelo dinheiro, a mercadoria é criada na produção capitalista à imagem da ansiedade do público consumidor. Essa imagem será divulgada mais tarde pela propaganda, separada da mercadoria.[3]

Ansiedade. Amor. Imagem. Desejo. Sedução. Parecem não ser palavras devidas para a discussão econômica... entretanto são aquelas que talvez expressem melhor o processo de fabulação estética da mercadoria.
Marx vai dizer que a mercadoria ama o dinheiro e acena com o seu preço lançando olhares amorosos[4] e identifica uma certa malícia angelical na especulação com o dinheiro[5]; vai afirmar que o dinheiro não é apenas um objeto da paixão de ficar rico, e sim, o dinheiro é a própria paixão[6].
Se as metáforas do discurso amoroso poderiam ser entendidas meramente como recurso estilístico para o capitalismo industrial, limitando-se ao campo da retórica, as análises do capitalismo de mercado globalizado identificam nesse campo semântico uma chave hermenêutica vital.
A mercadoria deseja ser consumida, precisa ser escolhida, comprada; para isso precisa fazer-se amável, desejável, precisa adivinhar o desejo ou inventá-lo oferecendo um estímulo estético.

É preciso induzir uma nova forma de prazer sempre submetida à manutenção da capacidade de reprodução do capital mesmo.
Marx vai apresentar duas senhoras: Senhora Moral e Senhora Religião[7]. Estas duas Senhoras são completamente obsoletas e desnecessárias no que diz respeito às leis econômicas: a moral da economia política é o ganho e subordina as duas senhoras à sua lógica num metabolismo eficiente de alienação.


Alienação erótica - o corpo se faz fetiche:

No âmbito da economia de mercado alienação deve ser entendida não como falta mas como abundância de promessas. Alienação não é ausência, mas é promessa de presença. Alienação não é a negação do corpo, mas a expropriação da sensualidade e da erótica a serviço da apropriação do produto. Alienação das materialidades do trabalho para consolidação existencial do consumo. As coisas e os corpos perdem sua materialidade imediata para serem mediatizados no consumo da mercadoria. O corpo se faz mercadoria. Assim, fetichismo funciona bem tanto no discurso econômico como na linguagem porno-erótica.
A invisibilização do trabalho se dá na glamourização da corporalidade e da erótica. O corpo das classes trabalhadoras, transformado em mercadoria dele mesmo, se aliena no consumo erotizado que oscila entre desejo e realização. Na invisibilidade e inviabilidade da experiência do trabalho como acontecimento humanizador e criador de cultura, o mercado esvazia o lugar da produção para fazer o elogio do mercado no âmbito do consumo sem permitir perguntas sobre relações reprodutivas e distributivas.
Localizado o movimento fundamental na base do consumo e negando o conflito entre capital e trabalho, o mercado particulariza a distribuição das riquezas, tornando inviável a democratização do consumo. A dinâmica entre promessa e realização, desejo e posse, alimenta-se da sensualidade para manter os modos de reprodução e controle do capital.
O que para alguns se explica com a existência e a funcionalidade de sistemas dinâmicos parcialmente auto-reguladores, no que se refere aos comportamentos humanos[8] as feministas insistem em apontar como reinvenção de mecanismos históricos de dominação. Não seria possível chamar o mercado de mecanismo auto-regulador porque o termo reflexivo continua expressando uma particularidade (de classe, de gênero e etnia) que se pressupõe universal ou global.

Erotizar a teologia para enfrentar o deus-mercado:

Alienação e fetichismo não são invenções do capitalismo e do patriarcalismo: precisam ser entendidos no âmbito da fabricação dos mitos, dos cultos, dos encantamentos, dos rituais mágicos de manutenção de ambos, seus deuses (capital/pai) e seus truques. A religião sempre foi também expressão e reprodução de situações econômicas e de relações sociais de poder. Nesta dobradiça entre o discurso amoroso e sensual e o discurso religioso é que a teologia feminista percebe, não um conjunto de comparações ou recursos estilísticos, e sim um espaço de análise e crítica fundamental das relações entre capital-mercado-patriarcalismo.
De igual modo se mostra necessário identificar e criticar o dualismo imagético do pensamento marxista dividido entre as duas senhoras desnecessárias (moral e religião) e as representações do imaginário feminino da grande sedutora nas relações de consumo. Rever os imaginários – antigos e novos – se faz necessário na busca de um metabolismo econômico sustentável e igualitário. Suspeitar e desconstruir estas redes de imaginário que alimentam alienação e fetiche do capital e do patriarcado, se articulam de modo necessário com o desvelamento das redes institucionais de regulação das economias mundiais (nunca! de auto-regulamentação) e sua
aparência metafísica.

A estetização da mercadoria confere ares de divindade ao dinheiro e ao mercado, garantindo fundamento metafísico para a cultura burguesa e seus rituais e cultos que demandam a produção de legitimação de si mesma e de constante reificação das necessidades dos dominados. Esta produção estética, que se apodera do corpo, sua capacidade criativa, inventiva, sensual e erótica, vem cooptando as teologias cristãs, suas exegeses e hermenêuticas, seus sacrifícios e mecanismos de postergação como linguagem missionária da suposta inexistência do conflito de classe e da invevitabilidade do mercado como realização plena da vida humana.
A contribuição ética do feminismo se dá na insistência de que o pessoal é político, o cotidiano é histórico, a reprodução é produtiva, a produção é distributiva, o consumo é criativo. Esta reversabilidade dos sentidos e suas relações confronta qualquer modelo político metafísico de alienação das relações cotidianas e fetichização de desejos e necessidades. Não há nenhum mecanismo fora da história, no passado ou no futuro, capaz de concretizar relações igualitárias.
Ao insistir em trabalhar com o corpo, a vida cotidiana e suas relações como lugar vital de construção e circulação de poder e significados sociais e teológicos[9], a teologia feminista quer inviabilizar a mercantilização dos corpos e a estetização da mercadoria. Neste sentido, e de modo especial, a Bíblia e a teologia deixam de ser uma identidade auto-referenciada nos métodos sociológicos e histórico-críticos e passam a conviver com a vertigem da pluralidade dos paradigmas: classe, gênero, etnia, ecologia. São estas simultaneidades vivenciais e suas diferenças irredutíveis que tornam impossível qualquer tentativa idolátrica de mercantilização do corpo e estetização da mercadoria.
Visibilizar o caráter hermenêutico das relações políticas e econômicas e desvendar os mecanismos de construção de ídolos e rituais auto-reguladores, exigem uma teologia capaz de desistir de qualquer mão invisível auto-reguladora (seja ela dogmática ou exegética) para se inscrever definitivamente no campo da criação cultural, estética de memórias, hermenêutica de libertação. Deus conosco


* todas as gravuras a seguir são de Marc Chagall





Esporas do desejo:

ler a Bíblia ou consumir religião?

Escolho meus materiais de imaginação e desejo sem precisar me explicar demais: trabalho com os estalidos da literatura bíblica não mais como destino ou necessidade, mas desconhecendo qualquer fronteira entre espasmo e terremoto no corpo da minha história pessoal e no corpo sub-evangelizado dessa América Latina. São narrativas estranhas e próximas: dócil prisioneiras dos altares e das academias de teologia; selvagens e míticas no uso oscilante e mágico da leitura popular. Refaço a leitura e invento contrários: mastigo as narrativas fundantes com dentes de muitos dias sem comer e recuso toda forma educada de participação no metabolismo ocidental, burguês e cristão das imagens. Quando o verbo se faz mercadoria e se perpetua entre nós... é preciso tomá-lo de novo como carne crua, negar seu valor de troca, enfrentar seu valor de imagem e grudá-lo de novo na pele suada dos homens e mulheres pobres: dolorosos e gozosos, benditos e malditos. Iluminada pela delicadíssima brutalidade da disputa pelos corpos e seus desejos, eu leio no feminino plural.
Os pequenos textos que se seguem são ao mesmo tempo rascunho de um programa inacabado de um tratado teológico que não quer ser nem tratado nem só teológico. São trajetórias cultivadas em textos e assessorias e, reunidas assim, só mostram o seu avesso: o que eu queria mesmo era fazer uma canção.




Por uma estética do desejo sem culpa (Gênesis 3):


Eva, a primeira. A mulher de grandes olhos abertos que viu para além do que a divindade e o homem haviam acertado entre si. Eva, senhora da menina de seus olhos. Vê e deseja. A árvore. O fruto. Entre o olhar e o desejo ela cria o seu próprio corpo, inventa outra fome e se lança de mão e boca. Puro erotismo modelando a carne e projetando alternativas. A árvore? Boa de se comer! Agradável... agradável aos olhos; gostosa na boca se adivinhava. Desejável para dar entendimento. O corpo que se projeta nos gestos, barro de desejo, inventa eroticamente o mundo. Produz conhecimento. Esticar os braços, agarrar com as mãos e colocar na boca. Ele come o que o desejo dela criou. Abrem-se os olhos. Estão nus. Examinados e acareados, Eva e o homem se dividem na culpa e se danam na moral que dita a lei sem os arrepios do desejo. A palavra criadora subordina o desejo inventivo. O trabalho criador amaldiçoa o corpo lúdico e curioso. Houve medo e castigo, o primeiro último dia da criação.

Por uma estética do trabalho seus desejos
(Cântico dos Cânticos)


A Amante. A mulher de grandes boca e pernas abertas que tomou posse para além do que a divindade e os homens haviam acertado entre si. Ela, senhora da menina dos seus olhos, sua boca, seus seios, suas mãos, seu sexo, seu trabalho, seu amor. Vive e deseja. O homem. A terra. O fruto. Entre o olhar e o desejo ela cria seu próprio corpo, inventa mais de uma fome e se lança na contramão dos mecanismos de controle da terra, da vinha, da cidade, do corpo de mulher, da família. Puro erotismo modelando a carne e projetando alternativas. O homem? Bom de se comer! Agradável aos olhos: imagem de desejar se deixar querer. Gostoso na boca o fruto do trabalho libertado se adivinhava na pele do pastor/homem amado. Gozar na ponta da língua: poesia e orgasmo, sombra do desejo que inventa eroticamente o mundo. Produz conhecimento. Esticar os braços, capinar, lavrar, podar, colher, carregar, juntar, separar... trabalhar o mundo e suas forças como quem se deita com alguém. Ele come o que o desejo/trabalho dela criou. Abrem-se as pernas. Estão nús. Extasiados e cansados, a Amante e o amante dividem o sono e se aconchegam na cama da mãe e seus arrepios de desejo. A palavra criadora se apaixona pelo desejo inventivo. O trabalho criador abençoa o corpo lúdico e curioso. Houve gozo e prazer, um outro dia de trabalho e criação da criação.




Por uma estética da propriedade
e sua erótica (Rute):



Rute, a outra. A mulher de grandes ombros curvados que desejou para além do que a divindade e os homens haviam acertado entre si. Rute, menina dos olhos da senhora: Noemi. Vê e trabalha. A terra. Os restos. Entre a produção e a sobra ela cria o seu próprio corpo, inventa outra fome e se lança de corpo inteiro na vinha, na vida, do homem senhor da terra. Puro erotismo que umedece a carne e se projeta num vestido de alternativas. O homem? De idade. Bom de se deixar comer. A terra. Agradável aos olhos. Ela se faz gostosa, na boca do homem se adivinhava. O desejo que constrói entendimento. O corpo que se projeta nos gestos, festa de desejo, inventa eroticamente o mundo, a propriedade, o pão e a família. Ele come o que o desejo dela criou. Abrem-se os olhos. Estão nús. Amedrontados e excitados, Rute se despede do homem antes que seja manhã. Ele enfrenta culpa e moral da lei com os arrepios do desejo. O desejo criador subordina a lei sem paixão. O trabalho braçal abençoa a terra no abraço das mulheres. Houve terra e criança naquele dia de recriação.


Por uma estética distributiva e seu prazeres

(2 Reis 4, 1 a 7):

Viúva, a última. A mulher de grande boca aberta que desejou para além do que a divindade, o marido e o credor haviam acertado entre si. A viúva, mãe dos meninos de seus olhos. Vê e grita. Um filho. O outro. Entre a dívida e a escravidão ela fabrica o seu próprio corpo, inventa outra fome e se lança ávida e faminta sobre potes e vasilhas. Puro erotismo modelando as horas e projetando alternativas. O óleo? Bom de ver escorrer. Maravilhoso... de um pote ao outro; um milagre na vida se adivinhava. Milagre para dar entendimento. O corpo que se movimenta entre as vizinhas e suas vasilhas, barro de desejo, inventa eroticamente o mundo, a vida dos filhos. Produz conhecimento. Esticar as mãos e encontrar outras, encher a vida de sentido e azeite. Os meninos comem o que o desejo dela criou. Abrem-se os olhos. Estão salvos. Libertados e cuidados, ela e os filhos aprendem a consumir milagres distribuídos de mão em mão sem os arrepios da lei. A palavra criadora encontra o trabalho comunitário. O desejo inventivo abençoa o corpo cansado e glorioso. Houve fartura e sossego, aquele dia de salvação.






















Por relações reprodutivas libertadoras
e o prazer de decidir:


Maria, a Virgem. Mulher de grandes ouvidos abertos que ouviu para além do que o deus, o pai e o homem haviam acertado entre si. Maria, senhora do labirinto de ouvir. Ouve e deseja. O filho. O fruto. Entre o ouvir e o desejo ela cria o seu próprio corpo, inventa espaço pra mais alguém e se lança de mãe e boca:

O Espírito de Deus está sobre mim... porque eu me ungi dizendo: sim! para anunciar as boas-novas às mulheres, para libertar as sem escolhas, sarar as abortadas e proclamar os tempos de decisão (entre Isaías e Lucas).

Puro erotismo modelando o útero e projetando alternativas. O filho? Bom de se desejar. Agradável... volumoso nas entranhas se adivinhava. Desejável para dar entendimento. O corpo que se projeta no ventre, barro de desejo, inventa eroticamente o mundo. Produz conhecimento. Esticar os braços, aninhar a criança e oferecer o peito. Ele mama o que o desejo dela criou. Abrem-se os olhos. Estão nus. Bem-aventurada e saciado, Maria e o filho se juntam nos arrepios do evangelho com desejo. A palavra criadora convida o desejo inventivo de pescadores e prostitutas. O trabalho reprodutor abençoa o corpo lúdico e sofrido. Houve cruz e castigo, o último primeiro dia de salvação.


[1] extraído de me texto “Commodity aesthetics and the erotics of relationship” publicado in: Marcella ALTHAUS-REID, Liberation Theology and Sexuality, Ashgate, UK, 2006
[2] HAUG, W.F., Crítica da Estética da Mercadoria, UNESP, São Paulo, 1996. p.30
[3] ibid., p.35
[4] MARX, O Capital, vol.1, in: HAUG, op.cit., p.30
[5] MARX, Para a Crítica da Economia Política, Os Pensadores, Victor Civita, São Paulo, 1985, p.163
[6] MARX, ibid., p.214
[7] MARX, Manuscritos Econômico-Filosóficos, Os Pensadores, p.19
[8] MO SUNG, Jung, Novas Formas de Legitimação da Economia, Koinonia, ReLat 273, www.koinonia.org/relat
[9] vv.aa., Pautas para uma hermenêutica feminista da libertação, Ribla 25, Vozes, Petrópolis, pp.5-10

novembro 11, 2008

ainda sobre Frida



[Re]leituras de Frida Kahlo:
por uma ética estética
da diversidade machucada

organizado por Edla Eggert, UNISC 2008










Participei do projeto do livro organizado por Edla Eggert: exercício de Valetas eu ainda em Poa.
Algumas questões ficaram de fora... tudo de Frida é excesso... um pouco mais, então.


Alguns problemas se insinuam nesse projeto de olhar as mulheres latino-americanas nos olhos de Frida e ao mesmo tempo se deixar ver. São todos bem-vindos porque ajudam a explicitar motivações, intencionalidades e intensidades de uma teologia feminista da libertação.

a relação religião e arte na teologia da libertação latino-americana


Para teologia latino-americana a vitalidade está na libertação da teologia e o deslocamento do discurso e da prática das mãos centralizadoras dos teólogos para a vitalidade da pesquisa histórica e antropológica. Superar toda necessidade de re-invenção das autoridades espelhadas em si mesmo – seja na forma da busca dogmática e suas coincidências metafísicas, seja na busca do original originário da exegese incomunicável. A religião está presente na cultura latino-americana de modo literal, imagético, iconoclasta, piedoso e desencontrado, para além dos textos e das teses; presente nas crenças e nos festejos, nas contradições dos credos e suas hibridações; na arte e na militância que não precisa de religião.


o estatuto do religioso (ou do não religioso) na arte de Frida


Mais do que uma teologia da hermenêutica do símbolo – dizia Dussel- que se esgota na identificação da cultura popular como forma de resistência, o desafio de uma teologia da libertação continua sendo o de dissolver as fronteiras eclesiológicas e cristológicas, recusando qualquer triunfalismo cristão latino-americano e re-colocando a religião de Jesus em relação. Não se trata do sincretismo asseado e sutilmente violento das inculturações que perpetuam a conversão e inserção do sagrado dos outros na ordenação tolerante da cristandade. Significa perceber a religião de Jesus como uma religião entre outras, entender a tradição de Jesus de forma plural, descentrada, fragmentada e conflitual.





o estatuto do político e das vias revolucionárias na arte de Frida

"1ª Convicção de que não me alinho com a contra-revolução – imperialismo, facismo, religiões, estupidez, capitalismo e todo o tipo e truque da burguesia, Desejo fazer parte da Revolução para a transformação do mundo, num mundo sem classes, numa vida melhor para os oprimidos. " Anotação do Caderno de Frida
Frida expressa uma adesão ao materialismo dialético e ao movimento comunista internacionalista mantendo o conflito com a liberdade de sua arte e seus aspectos imaginativos, creativo, ficcional e não restritiva.


o trânsito intenso e complexo entre biografia, arte e teologia e o real léxico do sofrimento


Corpo, Território e Dor. Frida sofreu trinta e duas operações desde o dia do seu acidente até sua morte. Foram 29 anos de dor constante. A partir de 1944 se vê obrigada a usar oito coletes ortopédicos. Em 1953 será preciso amputar a perna gangrenada. O cheiro de suas costas feridas é insuportável. Experimenta diversos abortos espontâneos com muita perda de sangue e vive cercada de remédios e clorofórmio, ataduras, agulhas e bistuirs. É um São Sebastião atravessado de flechas.
"Del mismo modo que el pueblo esta quebrado a la mitad por la pobreza, la memoria y la esperanza, ella, la mujer irremplazable, la irrepetible mujer que llamamos Frida Kahlo, está rota, desgarrada en el interior de su cuerpo, igual que México está desgarrado en su piel externa." Carlos Fuentes


a localização de Frida na nomenclatura da arte: fazia parte do surrealismo? concretista ou o que?


Ela nunca soube! Nem quis saber!
“Brasileiros e latino-americanos fazemos constantemente a experiência do caráter postiço, inautêntico, imitado da vida cultural que levamos. O gosto pela novidade terminológica e doutrinária prevalece sobre o trabalho de conhecimento, e constitui outro exemplo, agora no plano acadêmico, do caráter imitativo de nossa vida cultural . Convivemos com este sentimento de inadequação; um desconforto nos persegue: o que constituiria um pensamento original, uma pesquisa autenticamente latino-americana? Desde sempre somos consumidores de teologias das metrópoles: escolhemos um teólogo (ou teóloga) e reproduzimos à exaustão o que ele disse, a ética dele, a estética dele, a cristologia dele, o método dele... e nos sentimos mais seguros assim sob a sombra da pesquisa das metrópoles." (SCHWARTZ, Roberto, Nacional por subtração, in: Cultura Brasileira – tradição-contadição, Zahar/Funarte, Rio de Janeiro, 1987, pp. 93-94)


a arte de Frida é popular? é latino-americana?

Até que a teologia da libertação nos convidou ao latino-americano e insistimos que era possível fazer teologia em português e em espanhol de aqui perto. O alívio é enorme! Não fomos autorizados a desistir dos clássicos, nem das longas citações... mas abriu-se um espaço de criação e consolidação de uma teologia com os pés no chão das realidades latino-americanas. O fetiche simplista dos nacionalismos, o elogio mecânico das tradições autóctones e populares e as adaptações didáticas de velhos catecismos sempre revelou o perigo do populismo que levava ao retrocesso:
“...um discurso teológico que, tendo sido de libertação em momentos de liberdade relativa, se torna reformista... propondo graves erros estratégicos”.
A grande autonomia de Frida, com una prática sistemática de auto-observação e de re-criação: seria possível localizar sua arte num processo coletivo de expressão?


a relação complexa, apaixonada e conflituosa com Diego Rivera

Como entender as constantes aparições e referências na arte de Frida ao pintor, marido e camarada Diego Rivera? Os contornos de uma paixão de novela mexicana explicam o amor de Frida limitada pelos conteúdos do amor romântico e burguês (temperados com muito sofrimento!) que ainda formatam as relações sociais de gênero e poder na América Latina? Parece que Frida assumiu uma estratégia de construção de um personagem, da mulher que gostaria de ser naquele tempo e lugar. Para muitos autores Diego Rivera representaria o México, a Revolução, a Arte. Frida se veste como um personagem de um dos murais de Diego: elege seus vestidos e cabelos, jóias e ornamentos como “ o mexicanismo” retratado nos murais. Seria isso amor? Dependência? Um gesto político?

a recepção de Frida como ícone e produto na cultura atual

Frida como ícone a ser domesticado pela propaganda e as estampas oficiais. são presenças para serem vestidas e tomadas... Frida Khalo não se deixaria conceituar ou explicar! Vista-me! Beba-me! Coma-me! Veja-me!


a simultaneidade/ambiguidade de homem-mulher, popular-vanguarda, ordinário-extraordinário: Frida seria queer?

Muita coisa ao mesmo tempo. Para a teologia latino-americana fica o desafio de abandonar os formatos catequéticos e seus imobilismos psíquicos, reproduções permanentes, as firmezas teóricas e as paradas arquetípicas ; renunciar à procura das origens originárias dos textos originais dos Evangelhos e da Teologia e abandonar-se à vertiginosa tarefa dialogal e polifônica do olhar antropológico sobre as culturas latino-americanas e suas recepções. Imprevisíveis. Irregulares.




http://www.radio.usp.br/imagens/frida.jpg









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BLASFÊMIA Cecília Meireles




SENHORA DA VÁRZEA, Senhora da Serra!
pelos teus santuários, com cinza na testa,
irei arrastando os joelhos e a reza; subindo e descendo ladeiras de pedra, sustentando andores, carregando velas, para me livrares,


Senhora, da lepra! Senhora da Várzea, Senhora da Serra!
terás mais altares, terás mais capelas, sinos de mais bronze, mais flores, mais festas, mais círios, mais rendas, e de ouro coberta brilharás, Senhora,
de fazer inveja a todas as santas que há na glória eterna!
Matei minha filha: mas era tão bela!




Roubei cinco noivas: mas o amor não cega?
E Deus não perdoaa quem se confessa?
Ergui seis igrejas: nenhuma te alegra?
Todas em memória dessas seis donzelas que por mim perderam seu corpo, na terra...
Meus crimes, paguei-os com brincos, fivelas, coroas de prata,
e mais que te dera, para me livrares,


Senhora, da lepra! Senhora da Várzea! Senhora da Serra!
pede-me por sonhos: darei quanto peças - mais ouro, mais prata, mais luzes, mais telas.
Maior que os meus crimes é a minha promessa.
Vejo com os meus olhos como degenera a carne que tive.
Por que me desprezas, Senhora da Várzea?
Do mal que me cerca, por que não me livras, Senhora da Serra?
Mão com que matei, hoje se me entreva.S
into desmanchada em cinza funestaa boca de outrora.
E a língua me emperra aquela peçonha de que seis donzelas
receberam morte, lindas e sinceras.


Senhora da Várzea! Senhora da Serra!
Paguei meus pecados,- e não me libertas?
Calcaste dragões, dominaste feras, e ao mal que me oprime, Senhora, me entregas?
Por que não me salvas? Que ordenas? Que esperas?
Ah, santa insensível, não sofres, não pecas!

Senhora da Várzea! Senhora da Serra!
Devolve o ouro e a prata das minhas ofertas!
Que o vento arrebente portas e janelas das tuas igrejas!
E fiquem nas trevas ou sejam levados pelas labaredas altares queimados e naves desertas!
Caiam no teu peitomais agudas setas! Arda em brasa o ramo que nas mãos carregas!
Nunca mais se arrastem meus joelhos nas pedras, nem a minha boca suspire mais rezas!
Nunca mais andores, nem círios nem festas! Dei-te seis igrejas: que me deste? Lepra!

Senhora da Várzea! Senhora da Serra!
Grito aos quatro ventos do céu e da terra:
Conheci seis virgens: nenhuma severa como tu, nem fria, serena e perversa!
Seis virgens matei! Sou morto por esta! Dei-lhe seda e ouro que às outras não dera!
Soluçar de joelhos,- só diante dela! Morro impenitente, fazendo-lhe guerra.
Que o fogo profundo lamba a minha lepra!
Seja eu todo cinza,no tempo dispersa, negra cinza de ódio que te envolve e nega,
Senhora da Várzea, Senhora da Serra, ó virgem das virgens, sem piedade - e ETERNA!

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RIBLA: religião & erotismo

Sagrados Corpos
Nancy Cardoso Pereira

Deus fez-nos corpos. Deus fez-se corpo. Encarnou-se. Corpo: imagem de Deus. Corpo: nosso destino, destino de Deus. Isto é bom. As reflexões e orações de Rubem Alves nos anos de 1980 afirmavam poeticamente, repetindo o credo cristão, Creio na ressurreição do corpo.1
O que ele dizia não era novidade, era o que repetíamos dominicalmente, parte da fé que professávamos publicamente. Não era o que ele dizia. O que importava era como dizia! O que fazia diferença é que a frase se mostrava e pedia para ser repetida eroticamente: Creio na ressurreição do corpo! Abriam-se as possibilidades de sedução do Credo, afirmando o desejo cravado no corpo como lugar sagrado. Já não podíamos repetir o credo sem arfar e gemer, passando pela história e pelo evangelho, chegando ao clímax de dizer Creio na ressurreição do corpo! como expressão de prazer e desejo antecipados e já realizados.
O próprio Rubem sabia que exigia de nós uma revolta de sentido: tínhamos aprendido a repetir o Credo de um jeito monótono e unívoco. Cada afirmação era fechada e auto-suficiente. Não ficavam brechas nem lacunas. Afirmávamos contra o corpo:

Pensamos encontrar Deus onde o corpo termina: e o fizemos sofrer e o transformamos em besta de carga, em cumpridor de ordens, em máquina de trabalho, em inimigo a ser silenciado, e assim o perseguimos, ao ponto do elogio da morte como caminho para Deus, como se Deus preferisse o cheiro dos sepulcros às delícias do Paraíso. E ficamos cruéis, violentos, permitimos a exploração e a guerra. Pois se Deus se encontra para além do corpo, então tudo pode ser feito ao corpo2

O convite que Rubem Alves fazia abre a possibilidade de perceber as tensões do Credo, sabê-lo equívoco e carente de sentido. Tudo depende da entonação da voz. Este convite atravessava o pequenino livro de orações de Rubem, e se esparramava pela vida a fora. Vinha das ruas, dos movimentos contra a tortura, das mães e avós procurando pelos corpos desaparecidos de filhos e filhas, dos movimentos de mulheres contra a exploração de seus corpos, dos movimentos de proteção de crianças, de grupos ambientalistas e a urgência do cuidado do corpo do mundo, dos movimentos de trabalhadores e trabalhadoras organizados que afirmavam a santidade da força de trabalho em greve diante da máquina.

De tantas maneiras o corpo deixava de ser lugar de negação e de sofrimento e se afirmava como lugar de criação e de prazer que era impossível não aprender a dizê-lo de outra maneira também em nossas orações. Foi e tem sido um aprendizado difícil e desafiador. Mas não significava somente um deslocamento nas liturgias e na espiritualidade. Afirmar a ressurreição do corpo como plenitude erótica que nos humaniza traz desafios para a teologia e o jeito e o que dizemos de Deus. Traz desafios também para quem trabalha com a Bíblia. Os símbolos e imagens, metáforas e relações que habitam nossas orações, liturgias e teologia se referem ao elenco de histórias bíblicas.

Nosso léxico, nossa linguagem de corpo e de discurso, se alimentam do cardápio de personagens, enredos, estruturas, mitologias, seqüências e representações das tradições bíblicas vivas também nas culturas por caminhos de imposição, de assimilação ou de reinvenção. O que se construiu como senso comum no imaginário social a partir das tradições bíblicas é uma mescla entre um deus incorpóreo, puro espírito, e homens e mulheres cheios de ordenações e danações em seus corpos pecadores e mortais. Esta visão simplificada, violentamente monolítica e restrita do texto bíblico é a que prevalece nas catequeses e escolas dominicais, nas representações artísticas e nas liturgias. Infelizmente é a visão que continua perpassando também a leitura bíblica popular e ecumênica que fazemos na América Latina.

Ainda não fomos capazes de incorporar uma visão crítica da demonização do corpo e do erotismo nas versões oficiais do judaísmo-cristianismo, nem capazes de articular criativamente as descobertas e alternativas que a arqueologia, antropologia, psicanálise trazem para uma experiência religiosa mais integrada. Nossas leituras bíblicas continuam reforçando uma perspectiva de Deus impessoal, separada da humanidade e seus corpos, da natureza e seus corpos. Um Deus sem corpo e des-erotizado e, por isso mesmo, melhor e superior a outras divindades marcadas e misturadas a rituais de fertilidade e expressões eróticas.

O primeiro problema está na tentativa das teologias sistemáticas e suas versões catequéticas em trabalhar a Bíblia a partir de reduções temáticas e seqüenciais: fala-se de O Deus do Antigo Testamento como uma imagem única e referente a um mesmo conteúdo sempre. Ou organiza-se uma seqüência de imagens da divindade do Antigo Testamento, dispondo-as num movimento que vai da mais rudimentar e atrasada (uma divindade corpórea e erotizada) até uma percepção exata e mais avançada de Deus (sem corpo e sem relação). Além do problema metodológico está a afirmação de uma superioridade ética da divindade do judaísmo-cristianismo justamente por não se revelar nas formas corpóreas ou nos rituais referentes às materialidades humanas (comida, sexo, dança...).

Assim, valorizamos os textos e tradições que apresentam a revelação na forma do Livro, da Lei, da Aliança, subordinando ou excluindo toda e outra qualquer alternativa presente no próprio texto. A consolidação da verdadeira religião em Israel – monoteísmo javista – vai jogar um olhar monolítico sobre a história imprimindo um eixo editorial que estranha toda e qualquer expressão religiosa que se aproxime de atributos ou rituais de outras divindades. Neste sentido, tudo que é autêntico é bom e tudo que é estrangeiro é mau. Rotuladas como baal todas as expressões religiosas ligadas ao campo simbólico da fertilidade, as trocas eróticas com divindades personificadas na natureza vão ser demonizadas e combatidas, não permanecendo nem a alternativa da convivência.

O imaginário religioso compartilhado por diversos povos – e também por Israel – percebia a sexualidade como parte da ordem natural da vida, e como relação básica de geração, sustentação e re-criação do cosmos. A atração erótica é um movimento fundamental na dinâmica do cosmos, suas aproximações e distanciamentos, copulações e fertilidade. Deuses e deusas, homens e mulheres têm em comum a capacidade relacional, o desejo erótico e a dinâmica da fertilidade. A deusa Inanna/Ishtar, por exemplo, representa a presença divina expressa no impulso erótico. Sem esta deusa:


O touro não salta sobre a vaca o jumento não fertiliza sua fêmea pelas ruas, o homem não fertiliza a mulher jovem o homem fica deitado em sua cama, sozinho a mulher fica deitada sozinha no seu canto.3


Deuses e deusas – na literatura e nos achados arqueológicos – são representados e ritualizados na valorização de seus dotes sexuais e sua beleza erótica. A pesquisa aponta para um período de convivência de Javé com outras divindades e sua participação ativa nos cultos eróticos. Os cultos cananeus parecem ter sido eminentemente eróticos e orgiásticos, o que não deve ser confundido com culto de performance sexual. A visão de que os israelitas se deixavam seduzir por estas expressões religiosas encobre a real participação e protagonismo de Javé e de israelitas no imaginário religioso erótico.
Toda esta dinâmica vai desaparecer ou ser suprimida na consolidação do javismo monoteísta. Estabelece-se então uma divindade única, referida sempre pelo pronome masculino e representada por imagens predominantemente masculinas (guerreiro, rei, pai, etc.). Entretanto, a masculinidade de Deus não se expressa eroticamente nem por expressões de virilidade. A literatura vai explicitamente evitar citar ou referir-se aos atributos sexuais da divindade, esforçando-se por criar mecanismos de evitação do assunto. Antigos textos e tradições, que articulavam um Javé erotizado e como possível parceiro sexual, vão ser revisados ou suprimidos, utilizando-se mecanismos literários e metafóricos que desfiguram estas tradições. Neste sentido, a consolidação do monoteísmo representa também a dessacralização da sexualidade e do erotismo.

Reduzidos a fenômeno estritamente humano, erotismo e sexualidade não mais se apresentam como alternativa possível da experiência religiosa, ficando muitas vezes reduzidos e catalogados como sinônimo de pecado e idolatria (Oséias + Ezequiel). A negação e a omissão do imaginário sexual e erótico no fenômeno religioso em Israel faz parte da intencionalidade editorial de construção de uma divindade única despossuída de elementos e relações antropomórficos. A velação do corpo de Deus (Ninguém viu a Deus...), a afirmação de uma divindade única e, por isso mesmo, sem relacionalidade estreitam as possibilidades do imaginário erótico como expressão religiosa. Em lugar das trocas cósmicas fertilizadoras da vida, expressas em profusões de relações entre deuses e deusas, estabelece-se uma divindade única que governa a partir da Lei e da Palavra.

De todos os orifícios do corpo responsáveis pelas trocas com o mundo e as pessoas, somente a boca vai manter sua dignidade. A influência destas imagens da raiz de nossas tradições participa da consolidação de modelos de identidade e de relação, fornecendo e disponibilizando mitos que normatizam e perpetuam mecanismos de exclusão, alienação e sofrimento.

Neste sentido, uma primeira motivação para este número de RIBLA sobre Religião e Erotismo é a de fissurar a visão monolítica de Deus na Bíblia hebraica. A noção de Deus é extremamente complexa no judaísmo e corresponde a diferentes experiências, imagens e momentos ao longo de sua antiga história... (é preciso) perceber que o conceito de Deus não foi sempre o mesmo na tradição judaica primitiva, nem na posterior tradição cristã.4

Uma segunda motivação para nos dedicarmos à reflexão sobre erotismo e religião é a de desnaturalizar a identificação – presente nas culturas e nas teologias – das mulheres com “a fraqueza da carne, a sensualidade, a volúpia, a tentação, o pecado".5

Uma das formas de alienação material e simbólica das mulheres se dá por este processo de naturalização que imobiliza as mulheres em sua corporeidade. Resgatar as tradições bíblicas, que conhecem uma imagem de Deus erotizada e em relação com divindades femininas, abre alternativas para o protagonismo religioso das mulheres e a efetiva participação positiva do imaginário feminino no exercício hermenêutico e teológico.

A leitura e contemplação de místicos e místicas nos revela uma espiritualidade plena de erotismo, exercitando com fervor os louvores da carne e os gemidos da alma, fazendo da oração lugar de completude. Uma espiritualidade assim nos faz falta neste tempo de êxtases religiosos programados e simplórios. Uma terceira motivação seria o enfrentamento da situação de miséria sexual e erótica que vivemos – homens e mulheres – na América Latina.

Convivemos com cotidianos de desgaste, relações cansadas e cansativas, fantasias impronunciáveis, desejos adiados e a capacidade enorme de aceitação do marasmo erótico como se não soubéssemos que os mecanismos de dominação precisam de corpos eroticamente alienados para impor seu projeto. Um projeto libertador precisa conhecer seus pontos erógenos, precisa se deixar seduzir pelo sagrado presente em todo o mundo habitado. Criação.

O Espírito nos dá a criação, sacramento, jardim. Ele dá a humanidade como corpo, corpo desnudo, corpo macho, corpo fêmea, corpos que nada precisam esconder, tudo era bom, os olhos eram bons, imagem de Deus. Corpo, dádiva de Deus, destinado à eternidade.6 Sem precisar fazer – pelo avesso – o elogio do erotismo como lugar exclusivo de plenitude, mas inserindo-o como dimensão fundamental da reprodução simbólica e material da vida, a leitura bíblica libertadora tem diante de si o desafio de assumir as possibilidades, as contradições e os limites das vivências eróticas nas construções de modos de vida e de sociedade.


1,.Rubem Alves, Creio na ressurreição do corpo, CEDI, Rio de Janeiro, 1984.
2. Ibid., Introdução.
3. T. Frymer-Kensky, In the Wake of the Goddesses – Women, Culture and the Biblical Transformation of Pagan Myth, Free Press, 1992, p. 188.
4. Ivone Gebara, “Nas origens do mal”, em Teologia em ritmo de mulher, Paulinas, São Paulo, 1994, p. 43s.
5. Ibid., p. 84. 6. Rubem Alves
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epistemologia, osteoporose & aflição!





des-evangelização
dos joelhos

nancy cardoso pereira


ponho um beijo
demorado
no topo do teu joelho
onde a língua
segue o trilho
até onde vai o beijo
Maria Teresa Horta


Falemos de joelhos.
...
Estou de pé e peço: um canto na sua cama. Indevida. Mas peço. Os joelhos tremem.
Você se afasta e um espaço enorme me convida pra deitar do seu lado. Eu inclino os joelhos, sem precisar sentar. Você me abraça e interrompe a consciência do último movimento. Eu estou ali onde sempre quis estar. Dobro meus joelhos e sinto os seus encaixados na dobra rente à minha perna. Por trás. O atrito do movimento suave me dobra. Cadeira cósmica, horizontalidade circular este genuflexório. Ajoelhada de costas pra você descanso os milésimos de segundo antes de começar a correr o nosso corpo. Eu sei. Aguardo.
Conectada tíbia, fêmur. Rótula, cartilagem, meniscos e ligamentos. Estes são os meus joelhos. Cheguei sozinha até aqui. Não vou tremer de medo, vergonha, frio ou indecisão. Esta é a melhor noite perdida de todas as noites. Além de tudo, a partir de hoje, sou senhora dos meus joelhos e mais ninguém!!

É que tivemos sempre joelhos tão mal evangelizados... dobrados liturgicamente na forma do Medo, da Festa e da Morte[1]. A gestualidade final da conquista cristã do continente latino-americano marcada pelo longo alcance da Inquisição (final do século XVI no Brasil) educou os joelhos para a desproporção entre o gesto e a crença. Os corpos aprenderam a obedecer primeiro pelo peso da violência e do castigo que acompanhavam a catequese e a homilia. Ninguém foi convidado ao convencimento. Os joelhos foram coagidos à flexão e assim se inventou a crença.
Aos olhos inquisitoriais, tomando-se pelo menos o critério da abundância numérica, os crimes relativos à corporalidade são mais representativos do que os ligados a um pensamento herético propriamente dito.[2]

A representação da fé no formato da liturgia sugere a catequização do corpo na previsão dos movimentos do corpo. Um senta e levanta interminável. Minutos sem fim de pé. Um formigamento sobe pelas pernas. O corpo pede descanso. A fé diz que não. Exige o sinal do sacrifício. Encenação. Cansado o corpo se despede dele mesmo e afunda no que lhe é oferecido: ouvidos, olhos e nariz. A liturgia devora toda minha cabeça. O joelho afrouxa e pede pra sentar. Infinita oração. A ladainha. Uma ordem vem do alto: podeis vos assentar! Ninguém fala assim: podeis! O corpo iletrado responde automaticamente, e senta. Ou alguém diz: A congregação pode se assentar! Como se fossemos um só corpo, um só quadril, um só joelho e sua rótula devocional.
A liturgia e a domesticação dos joelhos.
colocar-se de joelho na hora do Angelus significa muito[3]:
- em primeiro lugar representa a aceitação dos principais elementos marianos : a Encarnação Divina, a manutenção da Virgindade, a Anunciação.
- em segundo lugar, os toques de sinos marcando as orações do Angelus regulam o dia e marcam o domínio da Igreja sobre o tempo. Ao primeiro deve-se iniciar o trabalho, ao segundo comer, ao último recolher-se. Assim, colocar-se de joelhos nos toques do Angelus é também aceitar a Igreja como dona do tempo e a história sagrada como fonte de ordem.

Um dia, sem que ninguém me escute, vou orar com as mãos nos joelhos. Vou suspender minha saia e apresenta-los diante de deus como sacrifício vivo e racional. Eis meus joelhos e seus trabalhos! Abençoados sejam! Ralados e cansados, outros paralisados e doentes. São estes e não outros que ordenam a história e o tempo. Aprendi a me apresentar diante de deus com os joelhos firmados e o rosto curioso. Agora tudo é urgência: tomo pelas minhas mãos todas as coisas.
Una urgencia por Dios toma el vocablo. ¡Lo que nos pasa a veces! Si cuando niña se me hubiera dicho: 'Ante Dios afloja la rodilla y baja el rostro', yo hubiera obedecido. Pero nadie sopló luces de mitos en mi frente ni se movió en los nervios de mis actos (aprendí de mi abuelo a levantar, por mi mano, todas las cosas)
Enriqueta Ochoa

Também na escola, na educação, o joelho aprendia de forma dolorosa o a-b-c da obediência e sua cartesiana imposição.

"Porém da palmatória os bons efeitos/ são muito mais sublimes, mais perfeitos/ (...) Não há cousa melhor que a palmatória,/ que faz juízo ter/ e ter memória." Empregados em larga escala nas escolas brasileiras, os castigos físicos - não apenas a palmatória, mas os beliscões, as "reguadas", os puxões de orelha ou a obrigação de ajoelhar em caroços de milho - só começariam a ser questionados na segunda metade do século XIX. Em seu lugar entraram em cena formas mais civilizadas de controle disciplinar, os castigos morais.”[4]

Os joelhos interiores. As dobradiças da moral, da vergonha na cara.
Sentada: as pernas fechadas. O aprendizado repetido por gerações de mulheres: o vão das pernas evitado. O vão das pernas e sua cartografia. No espaço público, não. Em casa, sim. Na praia, sim. Na festa, não. No carnaval, sim. No jantar, não. Na escola, não. No passeio, sim. Coloquialidades e formalidades de ter o vão das pernas e ser mulher. O esforço todo colocado nos joelhos com o aprendizado dos sim! e dos não! O joelho como inteligência coletiva depositada na rótula e sua capacidade de flexão. Transitar pelas posições permitidas e pelos vórtices do movimento abusivo acolhendo o que séculos de cultura e biologia desenvolveram para os joelhos femininos: obediência, reclusão, graciosidade.
Ou não.
Nem eu me atrevo. Ser tocada por mim mesma. Nem um deus. Vou esperar que as promessas dos vídeos e das canções se cumpram e um homem me destranque as pernas. Abridor de latas a começar pelos joelhos. Trava civilizatória. Bambolê imprestável. Dobrada de desejo e confusão, o macho destrava meus joelhos como se abrisse uma porta, uma lata de cerveja, como se meus joelhos não estivessem ali e fossem somente um empecilho a ser vencido. Ah! as carícias necessárias num joelho secularmente domesticado!! Ah! o trabalho de base! O que eu mesma tive de refazer no formato arredondado do meu próprio joelho. Retirar as camadas de terror e genuflexão de todas as minhas antepassadas e deslizar eu mesma a minha mão pelo meu vão e encontrar meus pelos no final e a mão sem me sentir vulgar, paralisada ou órfã. Antes que um homem me arrombe os joelhos é preciso que eu tenha estado lá. Que eu tenha me dado joelhos para mim e já não tenha medo de todas horizontalidades, verticalidades, circularidades. Amém.


Se meus joelhos não doessem maisDiante de um bom motivoQue me traga fé, que me traga fé
Pescador de ilusões – o Rappa


Deixa que eu olhe você daqui! Da altura dos meus joelhos encosto meu rosto no teu joelho. Você está deitado com as pernas arqueadas e é tudo que eu me lembro. Já não sou eu que espero você vir me abrir. Chegamos até aqui de equívoco em equívoco, de desistência em abandono. Sou eu que toco seus joelhos com um beijo demorado e afrouxo suas pernas de pelos claros diante de um bom motivo que me traga fé. Estamos mulher e homem sem precisar ser o que nos mandaram. Você me puxa pra mais perto e meu rosto emoldurado pelos seus joelhos já não conhece mais condenação. Uma urgência de deus toma o vocábulo.


O mistério começa do joelho para cima
O mistério começa do umbigo para baixo
e nunca termina
Affonso Romano de Sant`Anna

E assim será a minha des-evangelização. Me decatequizarei remexendo meus joelhos e suas obediências. Suas saliências. Eu nos meus avançados 40 anos não temerei somente a osteoporose mas a memória interrompida dos meus joelhos, a sonegação de possibilidades, o adiamento de alternativas. Do joelho pra cima. Do umbigo pra baixo... o interminável exercício de estar viva como inteireza. Mistério. A religião como o desejo da carne que não me dá medo. Jacó lutou com deus e saiu marcado, a perna consumida de tanta presença. Só dobrarei o joelho quando for a hora e desejar: por beleza, por canseira, por orgasmo ou se doer. Nenhum deus, homem ou idéia.

O desejoEste da carne, a mim não me faz medo.Assim como me veio, também não me avassala.Sabes por quê? Lutei com Aquele. E dele também não fui lacaia.
Hilda Hilst

Quando o meu joelho e o seu tombarem de aflição e sossego e o regaço na cama for o conforto e a graça de já não querer nada além do abraço, repetirei com Teresa a pergunta pelo vôo enganchada na sua perna: deus conosco!

"Eu queria saber explicar, com o favor de Deus, a diferença existente entre união e arroubo, ou enlevo, ou vôo que chamam de espírito, ou arrebatamento, que são uma coisa só. Digo que esses diferentes nomes se referem a uma só coisa, que também se chama êxtase". Teresa de Ávila



Cruza as mãos sobre o joelho, ó companheira que eu não tenho nem quero ter. Cruza as mãos sobre o joelho e olha-me em silêncio A esta hora em que eu não posso ver que tu me olhas, Olha-me em silêncio e em segredo e pergunta a ti própria — Tu que me conheces — quem eu sou ...

Álvaro de Campos

Dois Excertos de Odes

(FINS DE DUAS ODES, NAIURALMENTE)


As possibilidades de súplica não se reduzem à situação do estrangeiro que chega em determinado país (por exemplo, em situações de batalha, a súplica é pronunciada com freqüência por um soldado que se encontra à mercê do inimigo, independentemente de tal soldado ser ou não estrangeiro). Benveniste (1969, pp.252-4) sustenta que a idéia mesma de suplicação não se encontra apenas no radical isolado hik– ("chegar"), de híko, hiknéomai e hikáno, mas em sua conjunção com o objeto direto goûna ou goûnata (acusativos plurais épicos de gónu, "joelho"): a idéia estaria no gesto de chegar até os joelhos de alguém; o suplicante seria aquele que toca os joelhos da pessoa de quem espera clemência. Há, na poesia épica grega, variantes desse gesto: agarrar os joelhos e beijar as mãos do outro, segurar seu queixo e beijar seus joelhos, segurar-lhe os joelhos e o queixo etc. O suplicante, na cultura grega, adota uma postura corporal que indica inferioridade com relação ao objeto de sua súplica (cf. Gould, 1973, p.94) e o elemento fundamental dessa postura é alguma forma de contato físico entre o suplicante e o joelho daquele que recebe a súplica.
Leaf (1900) vê na ação de agarrar os joelhos e tocar o queixo daquele a quem se dirige a súplica um gesto que simboliza o último recurso do guerreiro caído e desarmado diante do adversário que está para matá-lo: sua derradeira esperança seria agarrar-lhe os joelhos para atrapalhá-lo e empurrar seu queixo para trás para que ele não possa olhar para baixo e desferir um último golpe certeiro – isso daria tempo ao guerreiro caído de pronunciar seu pedido de clemência. Onians (1988, p.174), com razão, objeta que não há, em nenhuma passagem da literatura grega, sugestões de que o gesto de segurar o queixo de um adversário se destinasse a desviar seu olhar, ou de que o gesto de que agarrar seus joelhos se destinasse a estorvar-lhe os movimentos. Para Onians, os joelhos tinham valor religioso, tinham santidade: o fundamental, no gesto de súplica, seria o contato com essa parte santa do corpo humano (e não a intenção prática de segurar os joelhos do adversário para atrapalhá-lo).
Mas por que, afinal de contas, seria o joelho considerado uma parte sagrada do corpo? Alguns filólogos notaram que o termo gónu parece ser cognato de génos ("raça", "família", "geração", "nascimento") e de gígnomai ("nascer"), do mesmo modo que, em latim, genu ("joelho") poderia ser cognato de genus / generis ("origem", "nascimento") e de gigno ("gerar"). Tentaram-se explicações para tal aproximação entre a idéia de "joelho" e aquela de "nascimento", "geração", "família": Cahen (1926, p.56 ss) sugere que a aproximação se justificaria pela metáfora da família como um corpo humano (o joelho equivaleria, então, a uma ramificação da família). Segundo Back (1922, p.162 ss), a ligação entre o vocabulário relacionado com a geração e o termo que designa o joelho se deveria ao fato de que muitas mães davam à luz ajoelhadas. Meillet (1926, p.45) explica o latim genuinus ("genuíno") como o filho que foi reconhecido pelo pai como autêntico; ora, segundo Meillet, para que tal reconhecimento ocorresse o filho era colocado sobre os joelhos (genua) do pai – daí a associação entre os termos que designam os joelhos e a idéia de geração. Segundo Onians (1988, p.175), os povos indo-europeus conceberiam o joelho como sede da paternidade, da vida e do poder gerador. A atribuição de energia viril aos joelhos pode ser encontrada claramente no fragmento 347 (Voigt) de Alceu: segundo o poeta, a canícula torna as mulheres luxuriosas, lascivas, mas torna os homens moles e impotentes, pois o sol "resseca-lhes a cabeça e os joelhos" (kephálan kaì góna ... ásdei).
Gould (1973, pp.96-7), concordando com a tese de que os joelhos seriam sede da energia vital e da potência reprodutiva do homem, aventa duas hipóteses (segundo ele, não excludentes) para explicar por que o suplicante buscaria contato físico com tais partes sagradas do corpo do suplicado: uma é a hipótese de que os gregos acreditariam que, com tal contato, a energia vital de quem recebe a súplica fluiria para o suplicante; outra é a de que os joelhos, sendo sede da energia vital, seriam tabu: seriam vistos como uma parte do corpo muito vulnerável, que necessita de proteção. O gesto do suplicante, ainda que inofensivo, seria um contato simbolicamente agressivo com partes do corpo que o suplicado precisaria resguardar.
III
Qualquer que seja a explicação filológica ou antropológica que adotemos para dar conta da origem da sacralidade dos joelhos e de sua relação com virilidade e potência geradora, é inegável que os gregos e outros povos indo-europeus concebiam os joelhos como uma das partes nobres, sagradas, do corpo humano – assim como é evidente que o gesto de tocar os joelhos era essencial na atitude de súplica. A súplica era, originalmente, uma manifestação do corpo e o vocabulário da súplica (hikétes, gounoûmai etc.) descreve as formas concretas dessa manifestação. Tal interpretação está de acordo com a reconhecida concretude da linguagem homérica: na linguagem da Ilíada e da Odisséia, não haveria abstração.
Gounoûmai se, ánassa: theós nú tis ê brotós essi?
Normalmente, esse verso introdutório é traduzido mais ou menos assim4: "Eu te suplico, soberana: és um deus ou um mortal?" Todavia, o verbo empregado por Odisseu (e que os tradutores modernos vertem como "suplico") é gounoûmai, verbo que, até então, carregava o sentido concreto de "tocar os joelhos". Ora, é justamente isto – tocar os joelhos de Nausícaa – que Odisseu havia decidido não fazer. Nessa passagem, o verbo gounoûmai perde seu referencial concreto, abstrai-se: designa uma idéia de súplica que não inclui mais o gesto concreto de tocar os joelhos daquele a quem se suplica. Rompeu-se, aqui, a concretude do vocabulário homérico: a palavra, nessa passagem, não é mais uma representação da ação concreta5.
eu afirmaria, se me concedessem a licença para me exprimir com certa liberdade, que nessa passagem da Odisséia há uma representação poética da invenção do pensamento ocidental.

Electronic Document Format (ISO)
OLIVEIRA, Flávio Ribeiro de. Gesture and abstraction: employments of verb gounoûmai in Homer. Trans/Form/Ação. [online]. 2006, vol. 29, no. 1 [cited 2006-12-04], pp. 63-68. Available from: . ISSN 0101-3173..
Electronic Document Format (ABNT)
OLIVEIRA, Flávio Ribeiro de. Gesture and abstraction: employments of verb gounoûmai in Homer. Trans/Form/Ação., Marília, v. 29, n. 1, 2006. Available from: . Access on: 04 Dec 2006. .


Cesariny (1923-2006)
No país no país no país onde os homenssão só até ao joelhoe o joelho que bom é só até à ilhargaconto os meus dias tangerinas brancase vejo a noite Cadillac obscenoa rondar os meus dias tangerinas brancaspara um passeio na estrada Cadillac obscenoE no país no país e no país paísonde as lindas lindas raparigas são só até ao pescoçoe o pescoço que bom é só até ao artelhoao passo que o artelho, de proporções mais nobres,chega a atingir o cérebro e as flores da cabeça,recordo os meus amores liames indestrutíveise vejo uma panóplia cidadã do mundoa dormir nos meus braços liames indestrutíveispara que eu escreva com ela só até à ilhargaa grande história do amor só até ao pescoçoE no país no país que engraçado no paísonde o poeta o poeta é só até à plumee a plume que bom é só até ao fantasmaao passo que o fantasma - ora aí está -não é outro senão a divina criança (prometida)uso dos meus olhos grandes bons e abertose vejo a noite (on ne passe pas)Diz que grandeza de alma. Honestos porque.Calafetagem por motivo de obras.É relativamente queda de águae já agora há muito não é doutra maneirano país onde os homens são só até ao joelhoe o joelho que bom está tão baratoMário Cesariny de VasconcelosPoesia (1944-1955), Ed. DelfosDiscurso sobre a Reabilitação do Real Quotidiano

O andar, a curva de um joelho,
Vinco de seda no quadril
(não sabias quanto eras pura),
faço a delícia do dessous.

Eu sei que o êxtase supremo,
O looping no céu espiritual
Pode enredar-se, malicioso,
No que as mulheres mais (?), escondem
No que meus olhos mais indagam.
(O procurador do amor)
Drummond O amor natural

Cantos 1-2 Ilmatar [a Deusa do Ar] desce à água e torna-se mãe das águas. Uma negrinha põe ovos no seu joelho. Os ovos partem-se e dos pedaços forma-se o mundo. Väinämöinen nasce da mãe das águas. Sampsa Pellervoinen semeia árvores. Uma árvore cresce tanto que esconde o Sol e a Lua. Do mar emerge um pequeno homem que abate o carvalho. O Sol e a Lua podem brilhar novamente.
A primeira edição do Kalevala foi publicada em 1835. A obra nasceu como resultado do trabalho realizado por Elias Lönnrot, sendo composta pelos poemas populares que ele recolheu. A poesia lírica antiga, com um metro singular de quatro troqueus, baseado nas relações da acentuação das palavras, vivia na tradição dos povos de língua fino-ugriana da região do Báltico, há mais de dois milênios.


Quando o Kalevala foi publicado, a Finlândia era, desde há um quarto de século, um Grão-Ducado da Rússia, tendo antes disso pertencido ao Reino da Suécia até 1809.O Kalevala foi um ponto de viragem na evolução da cultura de língua finlandesa, tendo também despertado interesse fora do país. Entre os finlandeses, a obra fez nascer a confiança nas possibilidades da sua própria língua e cultura e, além fronteiras, levou um pequeno povo desconhecido à consciência dos outros povos europeus, ganhando assim o estatuto de epopeia nacional.
http://www.valinor.com.br/content/view/6349/64/

o monumento não tem porta a entrada é uma rua antiga estreita e torta e no joelho uma criança sorridente feia e morta estende a mão
Tropicália Caetano veloso


Está lá, em Muhammad, que o Paraíso está no joelho das mães. E a 'Ummah, a coletividade árabe, tem a mesma raiz de mãe, 'Umm; é uma realidade mate
Interpretações das Mil e Uma Noites*
http://www.alcorao.com.br/pulpito.asp?id=10

Jamil Almansur Haddad
http://www.hottopos.com/collat6/jamyl.htm

«Ás vezes, quando o ar parece que me foge, / Me falta Deus, ou espanta a nossa condição, / Como os fiéis de outrora, a seus pés, hoje / Dobro o joelho trémulo no chão. / Nem restos de orações lhe rezo. /Espero no silêncio e na opressão, curvado, / Que Jesus Cristo ao seu madeiro preso / Tenha dó de mais um crucificado.» José Régio 1927
TERESA SÁ COUTO«Poemas de Deus e do Diabo»O combate existencial de José Régio
http://www.triplov.com/letras/teresa_sa_couto/jose_regio/regio1.htm,
10para a liberdade e luta me enterrem com os trotskistasna cova comum dos idealistasonde jazem aquelesque o poder não corrompeume enterrem com meu coraçãona beira do rioonde o joelho ferido tocou a pedra da paixão
PauloLeminsky

Antigamente construía os poemas quase inteiramente na cabeça.
Quando ia escrever estava perto da forma final. Agora estou mais indeterminado. Começo rabiscando, mas anarquicamente. E sei que não comecei pelo começo. Mas pela orelha, pelo joelho do poema... Ele nasce desordenada. Não só do ponto de vista formal, como do da idéia.
Ferreira Gullar
revistalingua.uol.com.br/textos.asp?codigo=11059

O vida perfumada cantando devagar. Enleio-me na clara dança do teu andar. Por uma água tão pura vale a pena viver. Um teu joelho diz-me a indizível paz.
Antonio Ramos Rosa
http://usuarios.cultura.com.br/migliari/po_ar04.htm

TIRO NO JOELHO
Vi escrito numa crónica de um jornal regional minhoto: "ferido no joelho ele perdeu a cabeça". Será que a bala bateu no joelho e desviou para a cabeça?
pasteldenata.blogspot.com/2003_09_01_pasteldenata_archive.html

Provérbios Brasileiros e Portugueses - A1
A pecado novo, penitência nova. A pecado velho, penitência nova. ... A perna faz o que o joelho quer.


www.oneyearbibleblog.com/2005/09/index.html

http://www.catholicshopper.com/products/inspirational_sport_statues3.html

http://www.radiosai.org/pages/20050724/slides/06-...and%20outpouring%20devotion.html


www.sdomingos.com/cat0606/leilao17.html


casa do padre

www.leestoneking.com/Truth.htm
home.it.net.au/~jgrapsas/pages/Passions.html

baptist.org.ua/sermons/

www.bibleplus.org/repentance/repentance.htm

catholica.pontifications.net/?p=1450

vineyardmen.typepad.com/.../2005/11/index.html

fashiontribes.typepad.com/main/2006/04/fighti...

wickedmoon.com/funpages/shoe_fashion.php

www.sheilas-sexy-shoes.com/thigh-high-5.html

http://www.silviacardoso.com.br/fotos-novas/thumbnails.html
[1] Amor e Terror : Representação e Inquisição http://www.fflch.usp.br/dh/ceveh/public_html/biblioteca/livros/teatro_fe/tf-p-l-cap3.htm
[2] Amor e Terror, ibid
[3] Amor e Terror, ibid
[4] Daniel Cavalcanti de Albuquerque Lemos, Entre a palmatória e a moral
http://www.nossahistoria.net/interna.aspx?PagId=GOLCVKWI