julho 19, 2018



Felicidade:

“Fazer a revolução, como disse o
comandante Tacho, é como ir à aula numa escola
que ainda não está construída”[1]


Não me peça para definir “felicidade”!
            Eu sou aquela que foi feliz e infeliz tantas vezes e de modos tão distraídos e imperceptívies, que qualquer definição que eu tentasse seria traição. Se eu dissesse que é o que tenho com minhas crianças; se eu dissesse dos homens que amei; se eu dissesse da escada da casa da minha mãe; se eu dissesse das conquistas das lutas do povo ou dos textos terminados... qualquer caminho desse me levaria sempre de novo para definições imprecisas, tão desnecessárias como a pergunta: você é feliz?
Não quero escrever um tratado, nem me aventurar num verbete de dicionário. As idéias não têm história. – apesar de ser possível uma história das idéias!! - a força impulsionadora da história não são de novo as idéias, e sim a história material que forma o subtexto da história ideal[2].
            Faço então o elogio do exercício! Sem roteiros turísticos de felicidades pré-moldadas, me interessam as trajetórias exercitadas da felicidade como acontecimento de um percurso e seus atalhos. Exercício de possibilidades. Atalhos de escolhas e suas vertigens das possibilidades abandonadas, abandonáveis, abandonantes.
            Então, felicidade nem é ponto de partida nem é ponto de chegada, porque mesmo naquela hora da santa completude “não-me-falta-nada”, me falta a despreocupação de não desejar segurar o momento, de desistir de querer fazer com que ele dure... porque se eu me levanto assim da cama, da mesa, do chão da praça tentando viver “feliz para sempre”, despedaço a experiência e sua concreticidade que não pede pra ser ícone de nada. Essa completude me faz voltar pra casa, lavar o rosto, deitar de lado e – me sentindo quase inteira e vulneravelmente humana, eu durmo e acordo uma mulher melhor, capaz de cultivar caminhos de caminhos assim: feliz!
da resistência. A memória social é construída com base neste movimento dialético da lembrança e esquecimento
            O corpo do continente latino americano guarda a história de sucessivos massacres, estupros e humilhações individuais e coletivos. Cada poro do continente guarda uma memória dolorida, uma invasão, um golpe. Assim, perguntar pela felicidade no lado debaixo sul do Equador não deixa de ser um pedido fora de propósito. Mostrar nossa capacidade de felicidade apesar de tudo não pode obscurecer relações desiguais econômicas e políticas.
         Neste sentido é preciso refletir sobre “felicidade” como quem sabe que na América Latina fazemos o exercício cotidiano de esquecer para continuar vivendo. Esquecer não como resignação e aceitação absurda do destino de opressão, mas como instrumento e mística dos dominados/as de negação das estruturas de dor, desconstruindo a dor cotidiana na negação de seu poder identitário e roteiro possível de criação de condições matérias e simbólicas de reinventar a vida. Mas por que eu me ocuparia com o tema da “felicidade” dentre tantos outros mais urgentes e mais dramáticos?

A herança mais triste que o século XX nos deixa é a desilusão, a perda da esperança
Para muitos, a esperança evaporou da vida, dando lugar a uma reconciliação amargar com a realidade. Não vai ser possível criar a sociedade livre e justa com que sonhamos... Estreitamos nossos horizontes, diminuímos nossas expectativas. A esperança desaparece de nossa vida, a esperança desaparece de nosso trabalho, a esperança desaparece de nosso modo de pensar. Foucault o disse muito claramente no primeiro tomo da História da Sexualidade quando diz que “o medo do ridículo ou a amargura da história impede a maioria de nós de associarmos revolução e felicidade, ou revolução e prazer”. [3]

            Existe assim uma tarefa política e um exercício de espiritualidade de esperar contra a esperança que faz com que a teologia latino americana tenha que fazer sua escolha de “com risco” ou “sem risco” todos os dias, em cada página, em cada benção, em cada palestra ou curso de formação, em cada oração antes de cada marcha: um outro mundo é possível?
            Não? Um outro mundo NÃO é possível: irmãos e irmãs, acomodai-vos! Comei e bebei, sejam caridosos. Louvai! Louvai! Até domingo que vem.
            Sim? Um OUTRO mundo é possível! irmãos e irmãs, desacomodai-vos! O medo do ridículo e a amargura da história não combina com os amantes do evangelho. Juntai revolução e felicidade: ide em paz, eu vou também!
            O alargamento dos horizontes, a ampliação dos horizontes exige estudo teórico e comprometimento ético político no entendimento da “felicidade” como tarefa civilizatória de superação das formas de exploração de minorias e a criação de correlações de forças sociais favoráveis e humanizadoras numa sociedade participada pelas maiorias no exercício das formas de poder e prazer. Submergidas de conflito, estas tarefas exigem mais ainda a capacidade de criar formas de luta, de militância e de coletividade que já garantam as correlações humanizadoras e as possibilidades de “felicidade” em meio ao conflito. Exige também as possibilidades da crítica e da auto-crítica, do fracasso e do estabelecimento de diálogos restauradores... e dormir em paz.
            Uma teologia de um outro mundo possível é esta teologia que se ocupa de materialidades,
           

 Dos dicionários latino-americanos: léxicos inexatos
Não vou oferecer nenhuma felicidade fácil.
            Nem vou me esforçar por dizer de uma triste felicidade terceiro mundista.
Não vou incensar a vida cotidiana nem louvar possibilidades na vida comunitária.
Nada de histórias da vida do povo evocadoras de utopias gentis escoradas na vida do povo da Bíblia e suas utopias gentis.
Nenhum sorriso vale a dor que as sitemáticas teologias e as exegéticas exegeses exigem do texto, da história e do povo. Melhor que não. A sobriedade aqui é o mínimo que se pede: deixar as pessoas em suas baldias narrativas sem a invasão curiosa e gulosa de intelectualidades gentis.
            Não vou contar das festas brasileiras, nossa alegria, nossa música, dança e simpatia. Tudo isso é nosso também mas não como absoluto feliz de um povo contente apesar de tudo. A festa e os rituais são em nosso corpo latino-americano exercícios desesperados de esquecimento... exercícios de apropriação da história e elaboração da memória. O que dói no corpo é negado na vulnerabilidade da festa e do ritual de oração como empoderamento da pele que precisa esquecer para continuar vivendo.
Quero cultivar um atalho hermenêutico que aprendo e respiro nas lidas e convivências com pastorais e movimentos populares de uma metodologia de baldias narrativas e leituras – da realidade, dos mitos, da bíblia, de literaturas regionais ... Estas leituras e seus espaços de performance, ritual e liturgia criam significados e espaços de sociabilidade. São palavras e espaços de esquecer e de lembrar, de identificar o que tem valor na vida, de conferir compromissos e celebrar. Felizes assim, os pobres. Deles e delas é o Reino de Deus.


Repito que não há absolutos nesse caminho. Esquecer não é o elogio da morte do passado em nome da manutenção da ordem (familiar, política, eclesial...). Esquecer é a capacidade material e simbólica de não enlouquecer, de continuar vivo e acreditando. Neste sentido a religião e as festas populares na América Latina são mecanismos vitais e contraditórios da luta de classe e da prática revolucionária (viva o ópio do povo!! suspiro dos oprimidos!).
            Parte deste exercício de esquecimento e de celebração é a negação do deus da colonização, o deus invasor e sua reinvenção nas formas sincréticas e inexegéticas da ressurreição do corpo. O deus violento é vencido no esquecimento repetido das festas de memórias frouxas, de conteúdos inventados que devolvem ao corpo o prazer do sagrado feito ritmo e tempero. No caldo das tradições a Bíblia é ingrediente freqüente e freqüentado, convivendo com a ambigüidade do autoritarismo permanente da catequese mal-feita e o imaginário fantástico dos calendários sagrados.
            Neste sentido a busca de uma metodologia popular de leitura da Bíblia cultivou estas duas vertentes tratando de reverter a catequese autoritária pelo viés de uma educação popular que interferisse nos processos de evangelização e leitura comunitária da Bíblia e na reconfiguração do espaço litúrgico como expressão dos imaginários e simbólicas populares. Esta busca de metodologias sempre se deu por dentro de um embate ideológico
            Na literatura brasileira uma das matrizes possíveis de compreensão e cultivo deste exercício simultâneo de leitura da realidade, seleção de motivos, esquecimento proativo e celebração programática de elementos culturais reinventados poderia ser identificada num possível movimento antropofágico
       Nunca fomos catequizados. Vivemos através de um direito sonâmbulo. Fizemos cristo nascer na Bahia. Ou em Belém do Pará.
       Mas nunca admitimos o nascimento da lógica entre nós.(...)
       Nunca fomos catequizados. Fizemos foi carnaval. O índio vestido de senador do Império. Ou figurando nas óperas de Alencar cheio de bons sentimentos portugueses.
       Já tinhamos o comunismo. Já tinhamos a língua surrealista. A idade de Ouro.[4]




[1] Yvon Le BOT, El sueño zapatista , Plaza & Janés, México,  1997 , p. 191.

[2] HAUG, Wolfgang Fritz,   O projeto do dicionário histórico-crítico do marxismo, Crítica Marxista no. 10, 2000, Editorial Boitempo, São Paulo, p. 154
[3] John HALLOWAY,  O Zapatismo e as Ciências Sociais na América Latina  http://www.bibvirt.futuro.usp.br/textos/hemeroteca/nor/nor0236/nor0236_02.pdf
[4]Oswald de ANDRADE, Revista de Antropofagia (São Paulo), n.1, ano 1, maio de 1928, in: www.lumiarte.com/luardeoutono/oswald/manifantropof.html


janeiro 01, 2018

tarefas para 2018


"A direção fracassou. Mas é possível e necessário que se crie uma nova direção, por e a partir das massas. As massas constituem o elemento decisivo, a rocha sobre a qual se forjará a vitória da revolução." 
(Rosa de Luxembrugo, "A revolução Russa").

... para além das lógicas discursivas e das linguagens da crise, existe um conjunto de motivações e paixões, compromissos e fidelidades que foram empenhadas na construção de uma alternativa de esquerda política, não simplesmente porque fosse de esquerda, mas porque articulava: terra, pão e liberdade!

Assim neste curto período de luta organizada começamos processos e nos esgueiramos pela política da via parlamentar como forma de luta que não excluía/não devia excluir a construção da participação popular pela via de organizações autônomas e articuladas numa ética política classista. 

Mas foi então que os mitos dos atalhos estratégicos foram devorando as motivações, paixões, compromissos e fidelidades. Foi então que chegamos a acreditar que tudo era pra sempre: eleição de 4 em 4 anos; mandatos de parlamentares como voz de movimentos organizados; alianças improváveis como mau menor e preço justo. 

Mas o que nós dizíamos/queríamos era: Pão - Terra - Liberdade.
E chegou a hora de prestar contas: a estratégia de alianças nos levou ao abismo e o espaço, processo e metodologia da luta popular precisam se refazer. Mais do que perguntar pelo PT, chegou a hora de se fazer de novo a pergunta e o debate sobre o lugar da representação política, questões de concepção e organização partidária classista, a relação com o Estado numa perspectiva anticapitalista, os espaços e formas de construção de hegemonia alternativa e as formas de consciência e participação de poder que articulem classe+gênero+etnia como reinvenção necessária de um projeto revolucionário. 

Terra - Pão - Liberdade. 
São perguntas antigas e as novas. As que aprendemos a fazer nesses mais de 30 anos.
Sabíamos das contradições e dos limites: chegou a hora do acerto de contas! Nossas organizações políticas sempre foram também espaços de reedição de vanguardismos não éticos, misóginos, sustentadas pelos privilégios de homens etnocentrados, de burocracias com medo de tudo que é popular, letrados desconhecedores da cigana que lê a mão de Paulo Freire, senhores de verticais estruturas aprendidas na igreja, na família, no sindicato, na academia. Mulheres, negros, indígenas... existimos como anexos dos processos de formação. 
O partido se fez macho e habitou entre nós: vanguarda burocratizada, papai-noel, liderança, dirigente... numa mistura reveladora do caráter patriarcal das organizações de esquerda e seus poderes absolutos.
"Toda a sua preocupação destina-se a controlar a atividade do partido, e não fecundá-la; restringir o movimento e não desenvolvê-lo; a destroçá-lo e não unificá-lo." (Rosa Luxemburgo e Vladimir Lênin, "Partido de Massas ou Partido de Vanguarda").





das coisas mundanas & humanas demais

SOY PAN, SOY PAZ, SOY MÁS TRABALHO DOMÉSTICO E TRABALHO SEXUAL DE MULHERES MIGRANTES
Nancy Cardoso Pereira

O trabalho sexual e o trabalho doméstico precarizado feito por mulheres pobres e/ou migrantes apontam para uma crise profunda nos âmbitos da reprodução social da vida em todos os aspectos. Muitas formulações de políticas que buscam proteger as mulheres de diversos modos de violência encontram apoio ou restrição por parte das igrejas cristãs expressando suas concepções religiosas e influência política nos espaços decisórios. Este texto quer analisar estes posicionamentos considerando as interferências das teses “defensivas” e “abolicionistas” apontando para possibilidades de intervenção da teologia feminista latino-americana. 
Qual a diferença entre as coisas humanas e as coisas mundanas? Em especial para teologia feminista latino americana as coisas santas/humanas/mundanas se confundem como totalidade de vida e de opressão: niño, cuña, teta, techo, miedo, cuco, grito, llanto, raza. Empregadas domésticas, babás e trabalhadoras sexuais: yo soy!


http://www.seer.ufu.br/index.php/neguem/article/download/35985/pdf

das coisas mundanas & humanas

SOY PAN, SOY PAZ, SOY MÁS TRABALHO DOMÉSTICO E TRABALHO SEXUAL DE MULHERES MIGRANTES
Nancy Cardoso Pereira

O trabalho sexual e o trabalho doméstico precarizado feito por mulheres pobres e/ou migrantes apontam para uma crise profunda nos âmbitos da reprodução social da vida em todos os aspectos. Muitas formulações de políticas que buscam proteger as mulheres de diversos modos de violência encontram apoio ou restrição por parte das igrejas cristãs expressando suas concepções religiosas e influência política nos espaços decisórios. Este texto quer analisar estes posicionamentos considerando as interferências das teses “defensivas” e “abolicionistas” apontando para possibilidades de intervenção da teologia feminista latino-americana. 
Qual a diferença entre as coisas humanas e as coisas mundanas? Em especial para teologia feminista latino americana as coisas santas/humanas/mundanas se confundem como totalidade de vida e de opressão: niño, cuña, teta, techo, miedo, cuco, grito, llanto, raza. Empregadas domésticas, babás e trabalhadoras sexuais: yo soy!


http://www.seer.ufu.br/index.php/neguem/article/download/35985/pdf

setembro 13, 2017

Com a Virgem Maria na Porta dos Fundos


das “aparições” marianas nas políticas de assistência e as possíveis tarefas de uma teologia queer-feminista






para Rute Noemi Souza
pastora, teóloga e assistente social, advogada,
compositora, contadora de histórias para crianças,
mãe, cantora e amiga.[1]


Resumo
A “imagem” da Virgem Maria associada à família, à assistência e à saúde no registro das políticas voltadas para a as mulheres tem uma história que articula teologia e política. É a história do forte acento intervencionista da Igreja/das Igrejas nos assuntos do Estado pressionando todo o conjunto social. A partir de estudos de documentos históricos e debates contemporâneos esta reflexão pergunta por uma teologia queer-feminista neste âmbito.

Abstract
The "image" of the Virgin Mary associated with family, assistance and health in the register of policies focused on women has a history that articulates theology and politics. It is the history of the strong interventionist accent of the Church / of the Churches in State affairs by pressing whole social set. Based on studies of historical documents and contemporary debates this reflection asks for possible approaches for a queer-feminist theology in this area.

palavras-chave: Virgem Maria, políticas de assistência, Estado, mulheres

Um vídeo do grupo Porta dos Fundos criou polêmica – de novo! – no natal de 2013! O site Gospelmais conta assim o acontecido:
No diálogo (com o anjo Gabriel), Maria conta a seu noivo que está grávida e o filho não é dele. Revoltado, o carpinteiro diz que quando a história se espalhar, vai ser chamado de corno. O arcanjo interfere e diz que José precisa compreender o propósito e que a ideia é que todos saibam que o Filho de Deus nasceu de uma mulher virgem.
Gabriel continua sua explicação dizendo que “está uma dificuldade achar mulher virgem”. Nesse momento do diálogo, José interrompe e diz “Mas Maria não é mais virgem”, quando a própria Maria repreende o noivo: “Gabriel está falando, olha a falta de educação”, diz a progenitora.
Queixando-se de que “ninguém acreditará” que sua mulher engravidou virgem de um filho de Deus, José é tranquilizado: “Querido, isso aí, relaxa. O pessoal acredita em qualquer coisa”.[2]

É sobre esta “qualqueer” coisa sobre Maria que esta reflexão quer se ocupar, entrando e saindo pela Porta dos Fundos.
“Virgem Maria” é aquela do aparelho do Estado (colonial, imperial, republicano, militar e democrático) e a mesma das Romarias da igreja popular; é a mesma do Império: Nossa Senhora da Conceição e a mesma-outra da República: Nossa Senhora Aparecida... e também a mesma-e-outra de Canudos, Contestado, da irmandade dos pretos de Chico Rei e de centenas de festas populares; a mesma que sobrevoa a imagem de Anastácia e da Princesa Isabel na parte superior da Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito; Rainha e Padroeira do Brasil na revolução getulista de 1930; nomeia a praia e o bairro: Copacabana. Híbrida, é Yemanjá e Oxun e é, no Santo Daime, a Cannabis sativa - planta sagrada. É a mesma também das marchas com Deus pela família e a que desperta intenso repúdio imagético de pentecostais.
... pode-se escrever uma História do Brasil descrevendo os diversos significados que a imagem de Nossa Senhora teve ao longo desta história[3].


Esta simultaneidade e ambiguidade do ícone da Virgem Maria e suas múltiplas aparições e representações apontam para conteúdos internos do imaginário cristão católico e sua capacidade histórica de impor e reproduzir valores e significados sobre o conjunto da sociedade brasileira, mas também deixa ver - na diversidade das recepções e vivência do ícone - conteúdos diversos e contraditórios não controlados plenamente pelas agências religiosas hegemônicas. Parte significativa do catolicismo popular vive de expressões mais ou menos sincréticas em que as variações “marianas” confirmam e modificam a teologia e a dogmática católica romana em sua oficialidade.
Muitos dos modelos explicativos para a centralidade do ícone da Virgem Maria na América Latina utilizam uma compreensão essencialista do “feminino” atribuindo aos conteúdos míticos da deusa-mãe ou da mãe originária - supostamente presente em todas as culturas - a via de comunicação privilegiada que explicaria a presença e persistência ambígua da Virgem Maria no campo religioso e na cultura. O cristianismo como religião patriarcal, hierárquica e de exclusão conseguiria operar com formas flexionadas de inserção cultural na utilização de um suposto “princípio feminino” que explicaria também a aparente feminização do religioso entre nós.
Entretanto os estudos feministas da religião recusam esta perspectiva fazendo a crítica do senso comum sobre uma suposta essência do feminino e um maior investimento natural das mulheres na religião. Este senso comum é reforçado pela ausência de consideração das relações sociais de poder e gênero nos estudos da religião em geral e nas ciências da religião em especial.
Nas palavras de Maria José Rosado Nunes:
Tal visão esconde um enorme equívoco que as atuais formas fundamentalistas das religiões, no Ocidente como no Oriente, vêm desvendar. Na verdade, as religiões são um campo de investimento masculino por excelência. Historicamente, os homens dominam a produção do que é 'sagrado' nas diversas sociedades. Discursos e práticas religiosas têm a marca dessa dominação. Normas, regras, doutrinas são definidas por homens em praticamente todas as religiões conhecidas. As mulheres continuam ausentes dos espaços definidores das crenças e das políticas pastorais e organizacionais das instituições religiosas. O investimento da população feminina nas religiões dá-se no campo da prática religiosa, nos rituais, na transmissão, como guardiãs da memória do grupo religioso[4].

O uso do “feminino” não pode ser reduzido a uma compreensão cultural essencialista nem tão pouco esgotado numa racionalidade histórica que faz desaparecer a materialidade sexuada do ícone. No meu entender os estudos feministas da religião articulam hermeneuticamente os instrumentais historiográficos e culturais garantindo que a mulher no ícone e as mulheres na realidade não desapareçam, mas participem ativamente do trânsito de significados de religião que são produzidos.
No atual cenário de fortalecimento da religião no espaço político e relativa «desmitologização da modernidade»[5] – fruto de suas contradições internas, e também dos deslocamentos epistêmicos das teorias feministas e pós-coloniais - a pergunta pelo “feminino no campo religioso” se torna significativo - o que é confirmado pelos intensos debates e resistência por parte de setores conservadores e fundamentalistas a respeito de políticas voltadas para mulheres na atualidade.
O “re-encantamento” religioso significaria também uma desaceleração na garantia de direitos e participação das mulheres[6]? Significaria também um recrudescimento com as formas clássicas das hierarquias das diversas agências religiosas? Qual o papel e o lugar da religião no debate e práticas de políticas de assistência? Qual o impacto deste cenário para outras matrizes religiosas?
Mesmo considerando o protagonismo da assim chamada “bancada evangélica” no debate e na intervenção contrária às políticas públicas voltadas para a autonomia das mulheres é preciso identificar e analisar a persistência do imaginário católico romano atualizado e condensado no ícone da Virgem Maria mesmo no discurso “evangélico”.
Voltemos para a Porta dos Fundos. Uma mostra disso está nos pronunciamentos do deputado pastor Marcos Feliciano – que já foi presidente da comissão de direitos humanos da Câmara dos Deputados – num programa de auditório[7].
o deputado move contra o grupo de humor na internet Porta dos Fundos, Feliciano se saiu em defesa dos cristãos, de um modo especial dos católicos, veneradores da Virgindade de Maria. Na representação que o deputado ajuizou contra o grupo de humor é pedida a indenização de 1 milhão de reais. ”Esse dinheiro será destinado para as entidades que se sentiram ofendidas como as Santas Casas de Misericórdia que trazem a imagem de Maria que foi vilipendiada nesse vídeo”, explicou.

Independente do debate sobre “liberdade de expressão” contido neste episódio, o alinhamento de um deputado representante da assim chamada “bancada evangélica” com os conteúdos em torno da “imagem de Maria vilipendiada” expressa bem este núcleo de persistência do imaginário “mariano” no conjunto da sociedade brasileira, para além das áreas de influência da igreja católica romana. A persistência também opera na vinculação deste imaginário com as políticas de assistência representadas pelas Santas Casas de Misericórdia.
A “imagem” da virgem associada à família, à assistência e à saúde tanto no registro das políticas de assistência como nas políticas voltadas para as famílias e mulheres tem uma história que articula teologia e política. É a história do forte acento intervencionista da Igreja/das Igrejas nos assuntos do Estado pressionando todo o conjunto social em especial na matrix cristã católica, mas também para as variações do mesmo tema evangélico o que explica um ecumenismo conservador compartilhado.

Aparecida na História
É de vital importância desnaturalizar estas compreensões que igualam de modo acrítico o feminino na maternidade e por extensão à caridade e assistência/ e buscar um olhar histórico para a questão em especial para entender porque ainda hoje estas conexões persistem. Para entender os usos do ícone da Virgem Maria nos discursos e imaginários religiosos que buscam se legitimar na intervenção e manutenção de vínculos Igreja-Estado a trajetória pode ajudar.
no que se refere à tradição do Ocidente e de Roma, apenas no século V encontramos o primeiro exemplo de uma invocação latina direta, em estilo de hino, a Maria [...]; somente no século VI o nome de Maria foi introduzido no cânon romano da missa [...] somente no final do século VI [...] se desenvolveu uma poética marial latina sempre mais rica [...] apenas no século VII foram assumidas as festas marianas orientais da anunciação, morte, nascimento e purificação [...] Apenas no fim do século X surgem certas lendas sobre a força prodigiosa da oração a Maria [8].

            O culto à Virgem se consolidou na Europa a partir do século XII, onde Maria representava o ideal de mulher com conteúdos disciplinares de pureza, castidade e concepção sem pecado: um ideal que deveria ser seguido pelas demais mulheres. De modo especial na consolidação da ordem imperial de Portugal e seus projetos coloniais, a devoção religiosa dedicada a Nossa Senhora é evidente e bem documentada sendo possível identificar os trânsitos de significados e as idealizações identitárias que interessavam ao projeto expansionista e “civilizador[9]”.
“(...), Verdade, mansidão & justiça vos hão de levar adiante, Vossas armas serão victoriosas, & vosso Reyno eterno. Que tudo vos está prometendo a soberana Raynha do Ceo, ó mãy de Deos com a assistência que faz a vossa mão direita, que se cõ essa mão aveis de mover a espada, que esta divina Senhora ajudarvo la a mover. Seja assi, Senhora, seja assi, & eu vos prometo em nome de todo este Reyno, que elle agradecido levante hum tropheo a Vossa Imaculada Conceição, que vencendo os séculos, seja eterno monumento da Restauração de Portugal”·

            O catolicismo que desembarca no Brasil transferiu para a colônia um formato de poder religioso que se expressa na devoção mariana que ao mesmo tempo fazia parte da alta política do Estado e elemento simbólico vital de coesão social que vai marcar o período colonial e monárquico:
o catolicismo português era profundamente mariano. A figura de Maria contribui historicamente para a construção daquela nação na sua coesão interna e inspirou as suas maiores empresas políticas, como as guerras contra os mouros e as grandes descobertas marítimas. O marianismo português fazia parte da alta política de Estado. [10]

            No período colonial as escolhas e resoluções do ícone mariano no Império Português eram trasladadas para as colônias e em especial no Brasil consolidou uma sobreposição entre o imaginário do Estado e da Igreja que pode ser identificado ainda em hoje em documentos, arquitetura de templos e prédios públicos históricos e nas formas de festejos locais e nacionais.
Em 1640 D. João IV ratifica o ato de D. Afonso Henriques e proclama a Virgem da Conceição padroeira de Portugal e todas as suas possessões, inclusive o Brasil. A devoção a Maria era então uma prerrogativa de dinastia no reino português. Pedro Álvares Cabral trouxe em sua nau a imagem de Nossa Senhora da Esperança. A primeira capelinha construída no Brasil em 1503 tinha o título de nossa Senhora da Glória. O primeiro governador, Tomé de Souza, cuja nau capitânea era consagrada à Nossa Senhora da Ajuda,trouxe a sua imagem.[11]

Este imaginário vai ser revisitado e modificado pelos movimentos republicanos e a reconfiguração das relações Estado-Igreja. Na Europa a República tratou de evitar o imaginário mariano sem, contudo abdicar do imaginário feminino: acionou parte da iconografia da antiguidade na veiculação da mulher como alegoria para a liberdade,o que expressava o projeto de laicização dos positivistas.  A figura clássica do rei-sol foi substituída pela figura de mulher conhecida como Marianne[12] que não é mãe, mas sugere o imaginário das “musas”:


Par exemple la Liberté, selon une convention bien établie par les manuels d’iconologie du XVIe au XVIIIe, est représentée par une femme au bonnet (de la liberté), et qui brandit un sceptre ou une lance, avec des chaînes brisées aux pieds ; le bonnet peut coiffer l’allégorie ou être brandi par celle-ci au bout de la lance ; c’est cette dernière forme qui est  adoptée pour le sceau de la République française le 22 septembre 1792, dès  le lendemain de l’abolition de la royauté comme si adopter un nouvel emblème représentatif de l’État était la première chose à faire ; mais regardons la statue de la Liberté éclairant le monde (conçue dans les années 1865-75 et érigée en 1886 à New York)...[13]

No Brasil a República – mesmo que com fortes inspirações francesas[14] – não podia dispor deste imaginário feminino porque este espaço de representação estava comprometido com a igreja católica ocupada pela figura da Virgem Maria. A República no Brasil se instaurou de modo parcial e insatisfatório o programa da modernidade em seus aspectos laico e civil:
No Brasil, em uma República cujo suporte mais importante era o Exército — quase todos os cargos da Administração anteriormente civil seriam ocupados por oficiais no Brasil — a Liberdade (como valor e como alegoria feminina) não podia ser propulsada ao primeiro plano, ocupado por valores mais militares de disciplina e ordem[15].

Neste sentido seria importante perguntar pelo alcance do projeto de “modernização” no Brasil perguntando também pelos avanços emancipatórios das mulheres considerando as aproximações/controvérsias Igreja –Estado  representada na proclamação da Virgem de Aparecida como padroeira do Brasil. O “feminino”da Virgem na relação com o Estado não se refere a nenhuma qualidade ou quantidade de participação de mulheres no processo republicano – embora houvesse – mas era um instrumento a mais de manutenção da tradição autoritária e clientelista das relações de classes e gênero no país.


Desse modo, enquanto de um lado o Estado republicano apresentava seus símbolos cívicos e, mesmo sendo positivista, não deixava de fazer concessões religiosas, por outro a Igreja, que já vinha há um longo período incentivando a devoção da imagem de Aparecida, aumentou o estímulo na década de 1890, quando a Igreja esforçou-se para transformar seu símbolo religioso em representação cívica.[16]
Esta resolução simbólica se fazia seguir também por um sistêmico processo de disciplinamento da sociedade sacudida por movimento contestatórios no campo e na cidade. Autoridades, filósofos, médicos e juristas - nos séculos XIX e parte do XX - confirmaram o ideal de mulher que subordina sua existência à maternidade, como uma extensão dos conteúdos religiosos dos ideários cristãos agora investidos de respaldo científico [17] e projetados na vida pública.

...e na América Latina também:
Estes processos tem significativos pontos em comum com as experiências latino-americanas de constituição dos Estados nacionais. No México, Argentina, Brasil e outros as elites políticas utilizaram do símbolo da Virgem como imaginário de coesão e identidade nacional na contramão dos conteúdos republicanos e as exigências da modernidade secularizada.
Aparentemente o ícone da Virgem Maria se oferecia de modo exemplar e eficiente como “patrona” nacional, deixando claro que o epíteto “matrona” comprometeria a continuidade desejada de manutenção do feminino sobre controle das hierarquias em negociação com as elites políticas do período. A Virgem foi um álibi, um conteúdo disponível e de forte penetração em todas as camadas sociais e de fácil interação com setores sociais de outras matrizes religiosas.

Así, en 1930 en Argentina, y en 1931 en Brasil, imágenes de la Virgen María - Luján y Aparecida, respectivamente- fueron declaradas patronas nacionales. Se colocaba, así, a la Nación enciernes bajo la protección de un sagrado católico que, al mismo tiempo, la legitimaba [18].



Nossa Senhora da Misericórdia: políticas de assistência ou caridade?
No campo das políticas de assistência os antigos arranjos entre Igreja e Estado vão ser reconfigurados na primeira metade do século XX em especial no âmbito das políticas populistas do Estado Novo (1930 – 1945). A Igreja católica havia perdido alguns dos itens de influência do Padroado com a Constituição de 1881 (a regularização do casamento civil, o fim do pagamento do clero pelo Estado, a secularização dos cemitérios passando para controle das prefeituras e o fim o ensino religioso nas escolas de responsabilidade da igreja, entre outros).
Um dos pontos centrais nestas relações de poder entre Igreja e Estado sempre foi o protagonismo quase exclusivo que a igreja católica manteve e mantém no campo da assistência social, entendida quase como uma extensão das obras de caridade. Na história do Brasil, a tradição luso-brasileira esteve sempre presente nas ações das Irmandades e Ordens Terceiras, ambas de origem medieval, leigas e ligadas, direta ou indiretamente, à Igreja Católica. As Ordens Terceiras estavam diretamente vinculadas a uma ordem religiosa, a quem cabia permitir-lhes o funcionamento e, no caso específico do Rio de Janeiro, vale lembrar os hospitais mantidos pelas Ordens Terceiras de São Francisco da Penitência e de Nossa Senhora do Monte do Carmo.
As Irmandades, por sua vez, eram uma reunião de leigos em torno do culto de um santo determinado, à beneficência e à ajuda mútua. A mais famosa é, sem dúvida, a Irmandade de Nossa Senhora, Mãe de Deus, Virgem Maria da Misericórdia, que contava com hospital, asilo, orfanato etc. para a realização de suas obras de caridade, um conjunto que forma a Santa Casa da Misericórdia. Ao lado da Santa Casa, outras irmandades mantinham suas obras de caridade, incluindo a manutenção de hospitais[19].



            O nome Misericórdia era uma das antigas invocações da Virgem Maria, que foi utilizado entre 1240 e 1350 para nomear uma irmandade em Florença - Nossa Senhora da Misericórdia[20]. O uso do nome e dos atributos da Virgem para a ação da caridade vai ser uma marca importante no modelo de cristandade do projeto colonial.
O que é importante destacar é que no mesmo cenário de distanciamento da Igreja e Estado no período de consolidação da República e muito mais no período do Estado Novo se intensificou o processo de implementação das Santas Casas de Misericórdia no Brasil, mais concretamente entre 1922 a 1945. A política estatal vai utilizar a estrutura das “Misericórdias” para efetivar a política de assistência e saúde. Esta influência é tão importante e duradoura que vem inspirando estudos e pesquisas de grande significtiva:
... (as Misericórdias) se fortaleceram no segmento de assistência médica, durante o período em análise, tornando o Estado brasileiro dependente das suas actividades. Este trabalho discute ainda o imaginário social da caridade e filantropia e a forma como tais preceitos configuraram a assistência médico-social no país[21].

Uma análise superficial da legislação sobre as políticas de assistência no período getulista deixa ver um estreito relacionamento do Estado com as Misericórdias. O Governo iria tornar-se, como na actualidade, um usuário do sistema, pagando pelos serviços[22].
A Constituição de 1934 vai consolidar os resultados das negociações Igreja-Estado tal como a retomada do ensino religioso nas escolas públicas, a presença de capelães militares nas Forças Armadas e a subvenção estatal para as atividades assistenciais ligadas à Igreja[23]. Este modelo, mesmo sendo alterado posteriormente nos arranjos jurídico-constitucionais, deixou uma marca persistente tanto na caracterização caritativa da assistência social – expressas nas virtudes da Virgem Maria – como numa suposta legitimidade da Igreja Católica de intervir nos assuntos relacionados com os serviços públicos de assistência, de modo especial nas políticas de maternidades e apoio à infância.
Fica evidente na história do período Vargas o surgimento de diversos órgãos e políticas que “entregavam” a assistência e os cuidados médicos aos cuidados da igreja católica como no caso da Escola de Enfermeiras do Hospital São Paulo fruto de um convênio com a Arquidiocese de São Paulo em 1938.

A Virgem e a Primeira-Dama
Esta projeção, a partir do ideário católico romano no ícone da Virgem Maria, consolida um lugar para o feminino no âmbito privado e deriva daí sua participação na vida política, de modo especifico,  no campo da assistência como extensão da família e do feminino. De modo especial na organização da Legião da Brasileira de Assistência (LBA) em 1942, sob o comando da então “priemira-dama” Darcy Vargas[24], o Estado brasileiro tornou estes vínculos institucionais. Por um lado a Virgem Maria Padroeira do Brasil e do outro lado a “primeira–dama” responsável pela política de assistência: assim foi cimentado o difícil caminho para as mulheres na construção da autonomia e emancipação com garantia de direitos.



Esta presença – no meu modo de ver, incômoda - da “primeira-dama” quase como natural na administração pública expressa a co-naturalidade da assistência social com os assuntos familiares e, por extensão – também incômoda – com os papéis na política desempenhados pelas mulheres. Num artigo da Revista Filantropia – voltada para o terceiro setor, ONGs e associações comunitárias – encontramos o seguinte comentário:
O primeiro-damismo, enfim, transformou-se em um dos cargos de maior expressão e influência do poder, e as questões sociais passaram a predominar a pauta de atributos do cargo, tanto é verdade, que muitas das ações solidárias no mundo são lideradas pelas primeiras-damas, inclusive no Brasil. O Terceiro Setor muito ganhou com tamanha influência, pois sempre foi cotejado pelo primeiro-damismo, que descobriu através dele, a nobre arte de associar interesse político com ações sociais...
Nós, da Revista Filantropia, acreditamos que o caminho para o bem é apenas um detalhe, pois o que vale mesmo nesta empreitada, é ajudar alguém, e se o estigma de que o primeiro-damismo é que traduz a solidariedade, não podemos deixar de homenagear as milhares de voluntárias e freiras (que nem casadas são), porém também são primeiras-damas, cujo par é Deus.[25]

            Longe do âmbito das igrejas e suas políticas de disciplina do feminino mas ainda sob influência do imaginário que associa as mulheres à nobre arte de associar política e ação social, este editorial atualiza para o senso-comum do terceiro setor os imaginários que vinculam e naturalizam o “fazer o bem” com o feminino, passando pelo lugar - inventado – da primeira-dama chegando até às voluntárias e... freiras (que) também são primeiras-damas, cujo par é Deus. Voltamos à Maria. Ela não está nomeada... mas persiste com suas “aparições” estratégicas e virginais.
As freiras são “homenageadas” e identificadas como grande força no trabalho de “ajudar alguém”, da expressão da “solidariedade”, são voluntárias, não são casadas, isto é, falta a elas uma referência masculina que é compensadas fazendo par com... Deus! Neste lugar as mulheres religiosas consagradas são aproximadas do lugar privilegiado da também virgem, também solidária e... primeira-dama de Deus: Maria. Esta leitura secularizada das resoluções teológicas e institucionais dá conta dos fragmentos ainda persistentes, das “aparições” da Virgem na cultura e na sociedade.
Longe de ser um fenômeno que tende a desaparecer com os processos de emancipação das mulheres, o “primeiro-damismo” segue firme e forte, à esquerda e direita, como no trabalho de pesquisa que traz o seguinte quadro sobre cidades no Rio de Janeiro[26]:

                               
                                                                

Mantidos os factóides históricos e imagéticos – da Virgem e da primeira-dama – nós ainda sofremos e enfrentamos esta estratégia patriarcal que nos bons e maus tempos, no passado e ainda hoje posicionam o caráter sexista da Igreja e Estado.

Na Porta dos Fundos da Santa Casa de Misericódia

            Reconhecer este trânsito de poderes e símbolos nas históricas relações Igreja-Estado significa identificar a matriz religiosa cristã e católica na formação das políticas de assistência e seus âmbitos e interfaces na saúde, na educação, no planejamento e na economia. Mesmo já não mantendo hegemonia de influência nas coisas públicas, os ícones e mecanismos do catolicismo operam ainda de modo eficiente.
No processo histórico de construção da sociedade civil brasileira, os limites do Estado para implementar uma política social e assistencial abrangente o levaram a apoiar-se reiteradamente em acordos com a Igreja Católica. No rastro dessa "devolução" das funções seculares do Estado para a Igreja, organizou-se no espaço público todo um conjunto de práticas de assistência no campo da saúde que se apropriou do código cristão da "caridade".[27]

Estas funções do Estado moderno – seguridade social, saúde, etc. - no Brasil não encontraram uma via de consolidação estrutural e ficaram reféns dos modos de intervenção privada em especial do cristianismo católico. O persistente nesta estratégia é a “modelagem” do feminino e do âmbito da família como mediação das políticas de assistência que, se por um lado empodera de modo significativo - mas parcial - as mulheres pobres (acesso a renda, gás, luz elétrica, leite, etc.) por outro lado aciona um mecanismo cultural de subordinação: o feminino “assistencioso e misericordioso”.
A estruturação de uma proposta assistencial que tinha caráter público foi deslocada para uma abordagem privada, no âmbito da modelagem católica e fundamentada em concepções religiosas que persisitem ainda hoje.[28]

Esta influência do cristianismo católico tem dois aspectos importantes para a compreensão mesmo das políticas de assistência e em particular para as profissionais deste setor, e para as mulheres em geral.
Essa herança, advinda da disseminação do pensamento cristão, transformou o cuidado aos doentes, dantes realizado por mulheres, como peculiar a uma condição feminina, a uma das formas de caridade adotadas pela igreja e que conjuga com a história da enfermagem. Os ensinamentos de amor e fraternidade transformam não somente a sociedade, mas também o desenvolvimento da enfermagem, marcando, ideologicamente, a prática de cuidar do outro e modelando comportamentos que atendessem a esses ensinamentos. [...] a enfermagem passou a ser uma atividade de penitência que se realizava como meio de purgação e purificação[29].

De igual modo esta indistinção entre a assistência social e o feminino se visibiliza nos arranjos políticos de alocação das políticas para as mulheres. Ainda persiste – como já foi visto neste texto - ações voltadas para mulheres e famílias sob a liderança de primeira-dama... como extensão do espaço da casa grande do homem em cargo político e sua senhora para a senzala da assistência social.
Outro indício da persistência destes vínculos está na localização de políticas para as mulheres que, muitas vezes em nome da transversalidade, fica encurralada nas secretarias de cunho assistencial sem conseguir o debate sistêmico com as secretarias de economia, desenvolvimento e segurança – entre outras – tão necessário tanto para as mulheres e suas políticas  como para as políticas de assistência em geral.
A alocação das Coordenadorias/Assessorias da Mulher dentro de Secretarias com programas delimitados (como assistência social), ou dentro de um pretenso guarda-chuva (como direitos humanos; cidadania etc.) que torna ainda mais enviesada sua articulação com as demais Secretarias e compromete, em geral, sua perspectiva de atuação política. Não é por acaso que se tem debatido a importância da existência de uma Secretaria específica[30].

Mais ou Menos Virgem & Totalmente Ambígua: questões para uma teologia queer-feminista

A partir das considerações e leituras até aqui feita fica evidente que estamos diante de “fatos” culturais e discursivos contraditórios, realidades políticas de disputa de poder e de uma materialidade icônica feminina num âmbito patriarcal. Nesse sentido algumas tarefas se colocam para uma teologia queer-feminista na América Latina que passam não só pela pergunta sócio-histórica, mas também pela crítica do aparato religioso em movimento:
·         o que no imaginário da Virgem Maria confere a apropriação simultânea, ambígua conflituosa dos conteúdos religiosos?
·         Como é que o mesmo ícone religioso transita entre o mundo da autonomia teológica, ritual e organizativa da religião popular e o mundo dos acordos entre Estado e Igreja no limiar dos ajustes republicanos no Brasil?
·         Como é que este trânsito não implica em desaparecimento dos termos como síntese redutora, mas constitui o fenômeno religioso como ambiguidade?
·         De que modo a oficialização da Virgem Maria como padroeira do Brasil representa um investimento masculino por excelência – no Estado e na Igreja – garantindo as condições objetivas e subjetivas da dominação patriarcal da produção do que é “sagrado”?
      

A “Virgem Maria” como realidade social de crença deve ser estudada considerando o caráter de constructo histórico sem, contudo deixar desaparecer, os ”matizes” e “complexos” de simultaneidade e ambiguidade. A simultaneiedade e ambiguidade do ícone “Virgem Maria” não são elementos acidentais nem modernos: mas expressam o caráter performático da experiância religiosa.
A ambiguidade do ícone da Virgem Maria multiplica o objeto de estudo nele mesmo obrigando à revisão de conceitos petrificados: a cultura nem é instância de totalidade social (acima do econômico e do social) nem é reflexo ideológico da estrutura social e econômica. No caso da abordagem da “Virgem Maria” como problema histórico-cultural estes dois modelos podem participar dos rascunhos descritivos e analíticos, mas não esgotam a recriação da experiência na simultaneidade de tradição e tradução[31].
Neste particular os estudos feministas são importantes para apontar a necessidade da rejeição do caráter fixo e permanente da oposição binária "masculino versus feminino", “sagrado versus profano”, “virgem versus puta”, “popular versus civilizado” e “público verus privado”.  A historicização e "desconstrução" destes termos busca reverter e deslocar a construção hierárquica e seus usos ideológicos, em lugar de aceitá-la como óbvia ou como estando na natureza das coisas mesmo (do Estado, da família, da pátria, da nação, etc).
 Para romper com este padrão e tornar Maria “indecente” são necessários “imaginários de ruptura” (Ricoeur), pois “a Mariologia é sexualmente estagnada. Somente uma ruptura no nível da imaginação teológica pode libertar a ela e as comunidades devotas a ela... Assim, “o processo de tornar a Virgem indecente [indecenting] deve ser então um processo coletivo de desnudamento [undressing] dela, e sobreposição nela das vidas de mulheres mostrando sua irrelevância libertadora, a menos que um novo imaginárioreligioso da Virgem possa ser reconstruído sobre a base da antiga[32].
           Para Da Matta a ambíguidade é uma metáfora adequada para falar da identidade brasileira que o segredo de uma interpretação correta do Brasil jaz na possibilidade de estudar aquilo que está ‘entre’ as coisas[33]. Este parece ser o melhor lugar para situar a Virgem Maria: “entre” as coisas.



          A análise/interpretação do ícone em situação de ambiguidade e conflito se dará através da interação dos estudos feministas e suas possibilidades indecentes[34]. O caráter inter-disciplinar da Ciências da Religião é fundamental para propor uma abordagem sistêmica, complexa e processual do tema criando as possibilidades de intervenção nos debates atuais sobre as relações Igreja-Estado e sobre a religião na contemporaneidade... mas também deve deixar que a indecência de uma epistemologia da ambiguidade pergunte pelos acordos sexuais que ainda mantém esta área de conhecimento sob influência dos modos patriarcais de produção do conhecimento.
Aqui a teologia feminista precisa da proximidade e da cumplicidade com a teologia queer. O desafio de articular a ambiguidade como princípio epistemológico está presente de modo insistente/indecente na reflexão de André Musskopf[35] que desenvolve sua teologia queer considerando a ambiguidade como um lugar/móvel a partir do qual se produz conhecimento como fenômeno de resistência da língua, expressão narrativa de performance e plástica produzindo, um conhecimento onde as fronteiras são sempre móveis e instáveis.
Resistência na língua, narrativa, performance e plástica me parecem vivências e conteúdos adequados para reencontrar a Maria – virgem ou não... mas sempre aparecida! – nos seus lugares de trânsito entre isso e aquilo. O enfrentamento dos usos disciplinares do ícone da Virgem na manutenção das disciplinas de corpo, política e lei sobre as mulheres precisa ser enfrentado a partir destas ambigüidades. Longe de apostar numa contraposição com uma figura virtuosa atada à luta do povo, e mãe dos pobres e da revolução – estratégias que reformam os conteúdos conservadores – uma das saídas hermenêuticas está na ambiguidadade mesmo do ícone, sua dispersão e polifonia.
Nossa Senhora da Porta dos Fundos, rogai por nós os e por toda essa gente que... relaxa... o pessoal acredita em qualquer coisa.








[1] Nancy Cardoso Pereira, pastora metodista, agente de pastoral da CPT Sul da Bahia
[2]  CHAGAS, Thiago, Especial de Natal do Porta dos Fundos faz piada sobre Deus, Bíblia e o nascimento de Jesus e causa polêmica. Assista,  Gospelmais, in: http://noticias.gospelmais.com.br/natal-porta-fundos-piada-nascimento-jesus-assista-63686.html (acesso em 4/5/2015); para assistir o vídeo acesse >> https://www.youtube.com/watch?v=2VEI_tn090c

[3]HOONAERT, Eduardo, et alii. História da Igreja no Brasil. Primeira Época, Petrópolis: Vozes, 1992. p. 346
[4] ROSADO-NUNES, Maria José. Gênero e religião. Rev. Estud. Fem.,Florianópolis ,  v. 13, n. 2, Aug.  2005 .Available from .(acesso em 2/5/2015)
[5] MONTEIRO, Pedro Meira. As raízes do Brasil no espelho de próspero. Novos estud. - CEBRAP,  São Paulo ,  n. 83, p. 159-182, Mar.  2009 .   in; . http://dx.doi.org/10.1590/S0101-33002009000100009.; (acesso em 5/5/2015)
[6] TOLDY, Teresa Martinho, Sonhos secularistas e os direitos das mulheres, Revista Crítica de Ciências Sociais,in: rccs.revues.org/1754 (acesso em 30/4/2015)
[8] KÜNG, Hans. Maria nas Igrejas. Concilium, Petrópolis, n. 188/8, 3-10, 1983. p. 4.
[9] SOUZA, Juliana Beatriz de Almeida, Virgem Imperial: Nossa Senhora e império marítimo português, Luso-BrazilianReview - Volume 45, Number 1, 2008, p. 32, in: http://www.jstor.org/stable/30219058 (acesso em 23/1/2015)
[10] BOFF, Clodovis. Maria na cultura brasileira. Petrópolis: Vozes, 1994. p. 9
[11] CIPOLINI, Pedro Carlos, A Devoção Mariana no Brasil, Teocomunicação, vol 40, n.1, Porto Alegre, jan/abr 2010, in: http://revistaseletronicas.pucrs.br/fo/ojs/index.php/teo/article/download/7774/5519 (acesso em 2/5/2015)
[12]RICHARD, Bernard. 2012. Lesemblèmes de laRépublique. Paris: CNRS Éditions, in: B Richard, A Corbin - 2012 - aaelda.e-monsite.com (acesso em 9/2/2104)
[13] RICHARD, Bernard, Les Emblèmes de la République, in: http://aaelda.e-monsite.com/medias/files/2les-emblemes-de-la-republique.doc.; Tradução: Por exemplo  a Liberdade, de acordo com  uma convenção estabelecida pelos manuais iconologia dos séculos XVI ao XVIII, é representada por uma mulher de gorro  (da liberdade), e brandindo um cetro ou lança, com correntes quebradas aos pés; o gorro  pode estar na cabeça a alegoria ou ser brandido por ele na ponta da lança; é este último formato que é adotado para o selo da República Francesa, em 22 de setembro de 1792, imediatamente após a abolição da monarquia como se adotar um novo emblema  de representação do estado fosse a primeira coisa a fazer; projetando-se também  na Estátua da Liberdade que ilumina o mundo (concebida nos anos 1865-1875 e construído em 1886 em Nova York); (acesso em 3/5/2015)
[14] José Francisco Alves, INVENTÁRIO DA ESCULTURA PÚBLICA DE PORTO ALEGRE, In: Memória em caleidoscópio – Artes Visuais no Rio Grande do Sul .Bulhões, Maria Amélia (Org.). Porto Alegre: Editora UFRGS, 2005, p. 135-160, https://www.academia.edu/546419/Inventario_da_escultura_publica_de_Porto_Alegre (acesso em 9/2/2015)
[15] JURT, Joseph, O Brasil – um estado-nação a ser construído. O papel dos símbolos nacionais do império à república, Sonderdruckeaus der Albert-Ludwigs-Universität Freiburg, in: www.freidok.uni-freiburg.de/volltexte/8946/pdf/Jurt_o_Brasil.pdf‎ (acesso em 9/2/2015)
[16] PETERS, José Leandro, Nossa Senhora Aparecida no discurso da Igreja Católica no Brasil (1854 – 1904), dissertação de mestrado, Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora ,  2012, p. 126 (acesso em 30/4/2015)
[17] MERGÁR, Arion. A representação social do gênero feminino nos autos criminais na Província do Espírito Santo (1853-1870). 2006. 160 f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em História Social das Relações Políticas, Universidade Federal do Espírito Santo, Centro de Ciências Humanas e Naturais, Vitória,  2006, in: portais4.ufes.br/posgrad/teses/tese_3402_Arion_Mergár.pdf‎ (acesso em 9/3/2014)
[18] MARTIN, Eloisa, La construcción de Aparecida y Luján como Patronas Nacionales: Unanálisis comparativo, Estudios sobre Religión - Newsletter de laAsociación de Cientistas Sociales de laReligiónenelMercosur,, No. 9Junio 2000 , in: http://www.naya.org.ar/religion/news09.htm (acesso em 11/5/2015)
[19] SANGLARD, Gisele, Filantropia e assistencialismo no Brasil, in: www.scielo.br/pdf/hcsm/v10n3/19316.pdf   (acesso em 10/3/2014)
[20] SILVA, Jeovana, Assistência e Poder – os provedores da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, in: www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/.../14408.PDFXXvmi=jVIziwJlD0ApC...(acesso em 10/3/2015)
[21] FERNANDES, Liliane Alves, As Santas Casas de Misericórdia na República Brasileira – 1922/1945, http://www.ensino.uevora.pt/erasmusmundus/thesis/thesissantascasas_lilianefernandes.pdf (acesso em 11/3/2015)
[22] Ibid.,
[23] JULIÃO, Paulo Silva, a Igreja Católica e as relações políticas com o Estado na era Vargas, in: www.abhr.org.br/plura/ojs/index.php/anais/article/view/456/391 (acesso em 2/5/2015)
[24] MARTINS, Ana Paula Vosne. Gênero e assistência: considerações histórico-conceituais sobre práticas e políticas assistenciais. Hist. cienc. saude-Manguinhos,  Rio de Janeiro ,  v. 18, supl. 1, p. 15-34, Dec.  2011 .   in:  .  http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702011000500002; (acesso em 9/5/2015)
[25] BIAISOLI, Marcos, A primeira-dama e o terceiro setor, in: Filantropia, março 2003, in: http://www.revistafilantropia.com/secoes/artigos/item/158-a_primeiradama_e_o_terceiro_setor (acesso em 4/5/2015)
[26]  SILVA, Lianzi Santos,  Mulheres em cena, as novas roupagens do primeiro-damismo na Assistência Social, dissertação de mestrado,  Departamento de Serviço Social, PUC, Rio de Janeiro, 2009,  in: http://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/15501/15501_7.PDF (acesso em 3/5/2015)
[27] MONTERO, Paula. Religião, pluralismo e esfera pública no Brasil. Novos estud. - CEBRAP,  São Paulo ,  n. 74, p. 47-65, Mar.  2006 , in: .  http://dx.doi.org/10.1590/S0101-33002006000100004. (acesso em 4/5/2015)
[28] GONCALVES, Marcos. Caridade, abre as asas sobre nós: política de subvenções do governo Vargas entre 1931 e 1937. Varia hist.,  Belo Horizonte ,  v. 27, n. 45, p. 317-336, June  2011 .   in: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-87752011000100014. (acesso em 3/5/2015)
[29] PADILHA, NAZÁRIO, STIPP. O legado e o (re)negado: a enfermagem e as ordens/associações religiosas.Texto Contexto Enferm 1998; 7(1): 71-9,  apud. GUSSI, Maria Aparecida; DYTZ, Jane Lynn Garrison. Religião e espiritualidade no ensino e assistência de enfermagem. Rev. bras. enferm.,  Brasília ,  v. 61, n. 3, p. 337-384, June  2008 .   in: .),  http://dx.doi.org/10.1590/S0034-71672008000300017 (acesso em 2/5/ 2015)
[30] GODINHO, Tatau, Construir a Igualdade combatendo a discriminação,  Políticas Públicas e Igualdade de Gênero, p. 58, in  http://library.fes.de/pdf-files/bueros/brasilien/05630.pdf (acesso 3/5/2015)
[31]  PRIORE, Mary Del,A história cultural entre monstros e maravilha, in: SWAIN, Tânia Navarro (org.), História no Plural, Brasília:UNB, 1993, p. 70
[32] ALTHAUS-REID, Marcella. Indecent Theology – Theological Perversions in Sex,Gender and Politics. London/New York:Routledge, 2000, p.93
[33]DAMATTA, A casa e a rua: Espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. 5 ed. Rio de Janeiro: Rocco,1997, p.106
[34] MUSSKOPF, André, MUSSKOPF, André Sidney, Via(da)gens Teológicas: Itinerários para uma teologia queer no Brasil, Editora Fonte, São Paulo,  2011
[35] Ibid.,