[Re]leituras de Frida Kahlo:
por uma ética estética
da diversidade machucada
organizado por Edla Eggert, UNISC 2008
Participei do projeto do livro organizado por Edla Eggert: exercício de Valetas eu ainda em Poa.
Algumas questões ficaram de fora... tudo de Frida é excesso... um pouco mais, então.
Alguns problemas se insinuam nesse projeto de olhar as mulheres latino-americanas nos olhos de Frida e ao mesmo tempo se deixar ver. São todos bem-vindos porque ajudam a explicitar motivações, intencionalidades e intensidades de uma teologia feminista da libertação.
a relação religião e arte na teologia da libertação latino-americana
Para teologia latino-americana a vitalidade está na libertação da teologia e o deslocamento do discurso e da prática das mãos centralizadoras dos teólogos para a vitalidade da pesquisa histórica e antropológica. Superar toda necessidade de re-invenção das autoridades espelhadas em si mesmo – seja na forma da busca dogmática e suas coincidências metafísicas, seja na busca do original originário da exegese incomunicável. A religião está presente na cultura latino-americana de modo literal, imagético, iconoclasta, piedoso e desencontrado, para além dos textos e das teses; presente nas crenças e nos festejos, nas contradições dos credos e suas hibridações; na arte e na militância que não precisa de religião.
o estatuto do religioso (ou do não religioso) na arte de Frida
Mais do que uma teologia da hermenêutica do símbolo – dizia Dussel- que se esgota na identificação da cultura popular como forma de resistência, o desafio de uma teologia da libertação continua sendo o de dissolver as fronteiras eclesiológicas e cristológicas, recusando qualquer triunfalismo cristão latino-americano e re-colocando a religião de Jesus em relação. Não se trata do sincretismo asseado e sutilmente violento das inculturações que perpetuam a conversão e inserção do sagrado dos outros na ordenação tolerante da cristandade. Significa perceber a religião de Jesus como uma religião entre outras, entender a tradição de Jesus de forma plural, descentrada, fragmentada e conflitual.
o estatuto do político e das vias revolucionárias na arte de Frida
"1ª Convicção de que não me alinho com a contra-revolução – imperialismo, facismo, religiões, estupidez, capitalismo e todo o tipo e truque da burguesia, Desejo fazer parte da Revolução para a transformação do mundo, num mundo sem classes, numa vida melhor para os oprimidos. " Anotação do Caderno de Frida
Frida expressa uma adesão ao materialismo dialético e ao movimento comunista internacionalista mantendo o conflito com a liberdade de sua arte e seus aspectos imaginativos, creativo, ficcional e não restritiva.
o trânsito intenso e complexo entre biografia, arte e teologia e o real léxico do sofrimento
Corpo, Território e Dor. Frida sofreu trinta e duas operações desde o dia do seu acidente até sua morte. Foram 29 anos de dor constante. A partir de 1944 se vê obrigada a usar oito coletes ortopédicos. Em 1953 será preciso amputar a perna gangrenada. O cheiro de suas costas feridas é insuportável. Experimenta diversos abortos espontâneos com muita perda de sangue e vive cercada de remédios e clorofórmio, ataduras, agulhas e bistuirs. É um São Sebastião atravessado de flechas.
"Del mismo modo que el pueblo esta quebrado a la mitad por la pobreza, la memoria y la esperanza, ella, la mujer irremplazable, la irrepetible mujer que llamamos Frida Kahlo, está rota, desgarrada en el interior de su cuerpo, igual que México está desgarrado en su piel externa." Carlos Fuentes
a localização de Frida na nomenclatura da arte: fazia parte do surrealismo? concretista ou o que?
Ela nunca soube! Nem quis saber!
“Brasileiros e latino-americanos fazemos constantemente a experiência do caráter postiço, inautêntico, imitado da vida cultural que levamos. O gosto pela novidade terminológica e doutrinária prevalece sobre o trabalho de conhecimento, e constitui outro exemplo, agora no plano acadêmico, do caráter imitativo de nossa vida cultural . Convivemos com este sentimento de inadequação; um desconforto nos persegue: o que constituiria um pensamento original, uma pesquisa autenticamente latino-americana? Desde sempre somos consumidores de teologias das metrópoles: escolhemos um teólogo (ou teóloga) e reproduzimos à exaustão o que ele disse, a ética dele, a estética dele, a cristologia dele, o método dele... e nos sentimos mais seguros assim sob a sombra da pesquisa das metrópoles." (SCHWARTZ, Roberto, Nacional por subtração, in: Cultura Brasileira – tradição-contadição, Zahar/Funarte, Rio de Janeiro, 1987, pp. 93-94)
a arte de Frida é popular? é latino-americana?
Até que a teologia da libertação nos convidou ao latino-americano e insistimos que era possível fazer teologia em português e em espanhol de aqui perto. O alívio é enorme! Não fomos autorizados a desistir dos clássicos, nem das longas citações... mas abriu-se um espaço de criação e consolidação de uma teologia com os pés no chão das realidades latino-americanas. O fetiche simplista dos nacionalismos, o elogio mecânico das tradições autóctones e populares e as adaptações didáticas de velhos catecismos sempre revelou o perigo do populismo que levava ao retrocesso:
“...um discurso teológico que, tendo sido de libertação em momentos de liberdade relativa, se torna reformista... propondo graves erros estratégicos”.
A grande autonomia de Frida, com una prática sistemática de auto-observação e de re-criação: seria possível localizar sua arte num processo coletivo de expressão?
a relação complexa, apaixonada e conflituosa com Diego Rivera
Como entender as constantes aparições e referências na arte de Frida ao pintor, marido e camarada Diego Rivera? Os contornos de uma paixão de novela mexicana explicam o amor de Frida limitada pelos conteúdos do amor romântico e burguês (temperados com muito sofrimento!) que ainda formatam as relações sociais de gênero e poder na América Latina? Parece que Frida assumiu uma estratégia de construção de um personagem, da mulher que gostaria de ser naquele tempo e lugar. Para muitos autores Diego Rivera representaria o México, a Revolução, a Arte. Frida se veste como um personagem de um dos murais de Diego: elege seus vestidos e cabelos, jóias e ornamentos como “ o mexicanismo” retratado nos murais. Seria isso amor? Dependência? Um gesto político?
a recepção de Frida como ícone e produto na cultura atual
Frida como ícone a ser domesticado pela propaganda e as estampas oficiais. são presenças para serem vestidas e tomadas... Frida Khalo não se deixaria conceituar ou explicar! Vista-me! Beba-me! Coma-me! Veja-me!
a simultaneidade/ambiguidade de homem-mulher, popular-vanguarda, ordinário-extraordinário: Frida seria queer?
Muita coisa ao mesmo tempo. Para a teologia latino-americana fica o desafio de abandonar os formatos catequéticos e seus imobilismos psíquicos, reproduções permanentes, as firmezas teóricas e as paradas arquetípicas ; renunciar à procura das origens originárias dos textos originais dos Evangelhos e da Teologia e abandonar-se à vertiginosa tarefa dialogal e polifônica do olhar antropológico sobre as culturas latino-americanas e suas recepções. Imprevisíveis. Irregulares.
http://www.radio.usp.br/imagens/frida.jpg
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